A psicologia da delação by Luis Nassif
Esse caso do italiano é exemplar por permitir traçar o perfil psicológico do chamado delator público - aquele que se empenha no exercício da delação amparado por leis. É um tipo similar ao que eu costumava chamar de “assassinos na legalidade” - aqueles cidadãos que, sentindo que alguém transgrediu alguma regra ou lei, aproveitavam para exercitar seus instintos mais animalescos contra o presumível culpado. No meu livro “O jornalismo dos anos 90″ descrevo vários casos em que o linchamento se fazia supostamente amparado pela legalidade - com leis ou o clamor das ruas fornecendo o salvo-conduto para o linchamento.
O italiano estava na piscina com a filha, a esposa e amigos. Foi delatado por um casal - que a televisão protegeu, não identificando, do mesmo modo como se protege a quem delata grandes criminosos.
Os delatores estavam escudados em uma causa legítima em si: o combate à pedofilia que assola as capitais do nordeste. Com essa bandeira sagrada, se viram no direito de emitir julgamento sobre as carícias que o pai fazia em sua filha de 8 anos. Não se tratava de nenhum ato oculto, dissimulado. O pai estava fazendo carinhos na filha, era em um local público. Todas as testemunhas que assistiram não viram nenhum sinal de libidinagem. Prevaleceu o julgamento moral de dois deformados, que viram sinais de luxúria onde todos os demais viram sinais de carinho paterno, que apresentaram como prova dois beijos que o pai deu na filha no intervalo de 30 minutos.
Como prende-se uma pessoa, traumatiza-se sua filha, baseada em um julgamento moral de dois anônimos - que podem ser os deformados morais da história?
Pinçando o que saiu nos jornais, pinçando mesmo, porque nenhum teve a coragem de ir a fundo investigar as razões dessas testemunhas pervertidas, fica claro o somatório de detalhes que alimentou seu preconceito: o pai é italiano; a mãe uma mulata brasileira; a filha, uma menininha bem moreninha. De 8 anos. É impossível um pai branco ter carinho por uma filha mulata. O preconceito era contra a filha.
De nada adiantaram todos os atenuantes, de nada adiantaram todas as demais testemunhas negando terem visto qualquer ato malicioso. A malícia estava na cabeça dos pervertidos. A juíza terceirizou o julgamento moral e permitiu a prisão do pai, permitiu que ele fosse arrancado do convívio da família e jogado num xadrez.
No Recife, os advogados tentaram um habeas corpus com um desembargador. Só poderia dar depois de consultada a juíza - que não trabalha no feriado. E uma criança traumatizada esperando o final da folga dos meritíssimos.
Alguns comentários, aqui no Blog, de pessoas estranhas, dão uma boa dimensão de como é moldado esse comportamento fascista, típico para estimular delatores.
Um deles garantiu que, se comprovado que não é pai biológico, a culpa estará provada. Outra se baseou na lógica monofásica: a pedofilia é praticada por estrangeiros; o pai é estrangeiro; logo, só pode ser pedófilo.
Não adianta o exercício da razão, a busca de evidências, o raciocínio em cima do que saiu. À priori é culpado. Como diz uma outra ET, nos comentários, melhor errar por excesso do que por falta de punição. Como se o excesso não estivesse penalizando fortemente uma família inteira.
No episódio Escola Base, uma mãe desequilibrada levou o filho para ser analisado por uma psicóloga irresponsável, que estimulou o menino a fantasiar episódios que não ocorreram. Nada aconteceu com os delatores.
Nesse episódio, muito provavelmente o italiano foi vítima de dois deformados morais. Nada acontecerá com eles. Porque delataram tendo como álibi a defesa de crianças contra pedófilos - mesmo que a pedofilia, no episódio, só existisse na sua imaginação.
terça-feira, 22 de setembro de 2009
A psicologia da delação by Luis Nassif
Recebi este texto por e-mail e achei a reflexão interessante...
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