As pessoas de Pessoa...
Alberto Caeiro
Não sei quantas almas tenho.Cada momento mudei.Continuamente me estranho.Nunca me vi nem acabei.De tanto ser, só tenho alma.Quem tem alma não tem calma.Quem vê é só o que vê,Quem sente não é quem é,Atento ao que sou e vejo,Torno-me eles e não eu.Cada meu sonho ou desejoÉ do que nasce e não meu.Sou minha própria paisagem;Assisto à minha passagem,Diverso, móbil e só,Não sei sentir-me onde estou.
Por isso, alheio, vou lendoComo páginas, meu ser.O que sogue não prevendo,O que passou a esquecer.Noto à margem do que liO que julguei que senti.Releio e digo : "Fui eu ?"Deus sabe, porque o escreveu.
XI - Aquela Senhora tem um PianoAquela senhora tem um pianoQue é agradável mas não é o correr dos rios Nem o murmúrio que as árvores fazem ...Para que é preciso ter um piano?o melhor é ter ouvidosE amar a Natureza.
Acho tão natural que não se penseQue me ponho a rir às vezes, sozinho,Não sei bem de quê, mas é de qualquer cousaQue tem que ver com haver gente que pensa ...Que pensará o meu muro da minha sombra? Pergunto-me às vezes isto até dar por mim A perguntar-me cousas. . .E então desagrado-me, e incomodo-meComo se desse por mim com um pé dormente. . .
Que pensará isto de aquilo?Nada pensa nada.Terá a terra consciência das pedras e plantas que tem?Se ela a tiver, que a tenha...Que me importa isso a mim?Se eu pensasse nessas cousas,Deixaria de ver as árvores e as plantasE deixava de ver a Terra,Para ver só os meus pensamentos ...Entristecia e ficava às escuras.E assim, sem pensar tenho a Terra e o Céu.
Ricardo Reis
Cada Um Cada um cumpre o destino que lhe cumpre, E deseja o destino que deseja; Nem cumpre o que deseja, Nem deseja o que cumpre. Como as pedras na orla dos canteiros O Fado nos dispõe, e ali ficamos; Que a Sorte nos fez postos Onde houvemos de sê-lo. Não tenhamos melhor conhecimento Do que nos coube que de que nos coube. Cumpramos o que somos. Nada mais nos é dado
O que SentimosO que sentimos, não o que é sentido,É o que temos.Claro, o inverno tristeComo à sorte o acolhamos.Haja inverno na terra, não na mente.E, amor a amor, ou livro a livro, amemosNossa caveira breve.
Vive sem HorasVive sem horas. Quanto mede pesa,E quanto pensas mede.Num fluido incerto nexo, como o rioCujas ondas são ele,Assim teus dias vê, e se te viresPassar, como a outrem, cala.
Álvaro de Campos
Todas as Cartas de Amor são RidículasTodas as cartas de amor sãoRidículas.Não seriam cartas de amor se não fossemRidículas.Também escrevi em meu tempo cartas de amor, Como as outras,Ridículas.
As cartas de amor, se há amor, Têm de serRidículas.
Mas, afinal,Só as criaturas que nunca escreveram Cartas de amor É que sãoRidículas.
Quem me dera no tempo em que escrevia Sem dar por issoCartas de amorRidículas.
A verdade é que hoje As minhas memórias Dessas cartas de amor É que sãoRidículas.
(Todas as palavras esdrúxulas,Como os sentimentos esdrúxulos,São naturalmenteRidículas.)
Psiquetipia (Ou Psicitipia)Símbolos. Tudo símbolosSe calhar, tudo é símbolos...Serás tu um símbolo também?Olho, desterrado de ti, as tuas mãos brancasPostas, com boas maneiras inglesas, sobre a toalha da mesa.Pessoas independentes de ti...Olho-as: também serão símbolos?Então todo o mundo é símbolo e magia?Se calhar é...E por que não há de ser?
Símbolos...Estou cansado de pensar...Ergo finalmente os olhos para os teus olhos que me olham.Sorris, sabendo bem em que eu estava pensando...
Meu Deus! e não sabes...Eu pensava nos símbolos...Respondo fielmente à tua conversa por cima da mesa..."It was very strange, wasn’t it?""A wfully strange. And how did it end?""Well, it didn't end. It never does, you know."Sim, you know... Eu sei...Sim eu sei...É o mal dos símbolos, you know.Yes, I know.Conversa perfeitamente natural... Mas os símbolos?Não tiro os olhos de tuas mãos... Quem são elas?Meu Deus! Os símbolos... Os símbolos.
Não EstouNão estou pensando em nada E essa coisa central, que é coisa nenhuma, É-me agradável como o ar da noite, Fresco em contraste com o verão quente do dia,Não estou pensando em nada, e que bom!
Pensar em nada É ter a alma própria e inteira. Pensar em nada É viver intimamente O fluxo e o refluxo da vida... Não estou pensando em nada. E como se me tivesse encostado mal. Uma dor nas costas, ou num lado das costas, Há um amargo de boca na minha alma: É que, no fim de contas, Não estou pensando em nada, Mas realmente em nada, Em nada...
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