queridos pet's

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quinta-feira, 28 de julho de 2011

Poeminha

Poeminha simpático, adorável, mulherzinha (no seu melhor sentido) que fiz em outubro de 2009.

Se o dia é de sol
A noite é de lua
E se tiver estrelas
Eu caio na tua
E se me chamar
Dançamos na rua
E se ficar muito tarde
E eu acordar nua?





terça-feira, 26 de julho de 2011

Quem quiser que conte um conto II: Flor, Telefone, Moça

FLOR, TELEFONE, MOÇA

De Carlos Drummond de Andrade - Livro: Contos de Aprendiz
(imagem de lauravive.blogspot.com)
Não, não é conto. Sou apenas um sujeito que escuta algumas vezes, que outras não escuta, e vai passando. Naquele dia escutei, certamente porque era a amiga quem falava, e é doce ouvir os amigos, ainda quando não falem, porque amigo tem o dom de se fazer compreender até sem sinais. Até sem olhos.

Falava-se de cemitérios? De telefones? Não me lembro. De qualquer modo, a amiga – bom, agora me recordo que a conversa era sobre flores – ficou subitamente grave, sua voz murchou um pouquinho.

– Sei de um caso de flor que é tão triste!

E sorrindo:

– Mas você não vai acreditar, juro.

Quem sabe? Tudo depende da pessoa que conta, como do jeito de contar. Há dias em que não depende nem disso: estamos possuídos de universal credulidade. E daí, argumento máximo, a amiga asseverou que a história era verdadeira.

– Era uma moça que morava na Rua Gerenal Polidoro, começou ela. Perto do Cemitério São João Batista. Você sabe, quem mora por ali, queira ou não queira, tem de tomar conhecimento da morte. Toda hora está passando enterro, e a gente acaba por se interessar. Não é tão empolgante como navios ou casamentos, ou carruagem de rei, mas sempre merece ser olhado. A moça, naturalmente, gostava mais de ver passar enterro do que não ver nada. E se fosse ficar triste diante de tanto corpo desfilando, havia de estar bem arranjada.

Se o enterro era mesmo muito importante, desses de bispo ou de general, a moça costumava ficar no portão do cemitério, para dar uma espiada. Você já notou como coroa impressiona a gente? Demais. E há a curiosidade de ler o que está escrito nelas. Morto que dá pena é aquele que chega desacompanhado de flores – por disposição de família ou falta de recursos, tanto faz. As coroas não prestigiam apenas o defundo, mas até o embalam. Às vezes ela chegava a entrar no cemitério e a acompanhar o préstimo até o lugar do sepultamento. Deve Ter sido assim que adquiriu o costume de passear lá por dentro. Meu Deus, com tanto lugar pra passear no Rio! E no caso da moça, quando estivesse mais amolada, bastava tomar um bonde em direção à praia, descer no Mourisco, debruçar-se na amurada. Tinha o mar à sua disposição, a cinco minutos de casa. O mar, as viagens, as ilhas de coral, tudo grátis. Mas por preguiça pela curiosidade dos enterros, sei lá por quê, deu para andar em São João Batista, comtemplando túmulo. Coitada!

– No interior isso não é raro...

– Mas a moça era de Botafogo.

– Ela trabalhava?

– Em casa. Não me interrompa. Você não vai me pedir certidão de idade da moça, nem sua descrição física. Para o caso que estou contando, isso não interessa. O certo é que de tarde costumava passear – ou melhor, "deslizar" pelas ruinhas brancas do cemitério, mergulhada em cisma.. Olhava uma inscrição, ou não olhava, descobria uma figura de anjinho, uma coluna partida, uma águia, comparava as covas ricas às covas pobres, fazia cálculos de idade dos defuntos, considerava retratos em medalhões – sim, há de ser isso que ela fazia por lá, pois que mais poderia fazer? Talvez mesmo subisse ao morro, onde está a parte nova do cemitério, e as covas mais modestas. E deve Ter sido lá que, uma tarde, ela apanhou a flor.

– Que flor?

– Uma flor qualquer. Margarida, por exemplo. Ou cravo. Para mim foi margarida, mas é puro palpite, nunca apurei. Apanhou com esse gesto vago e maquinal que a gente tem diante de um pé de flor. Apanha, leva ao nariz – não tem cheiro, como inconscientemente já esperava –, depois amassa a flor, joga para um canto. Nào se pensa mais nisso.

Se a moça jogou a margarida no chão do cemitério ou no chão da rua, quando voltou para casa, também ignoro. Ela mesma se esforçou mais tarde por esclarecer esse ponto, mas foi incapaz. O certo é que já tinha voltado, estava em casa bem quietinha havia poucos minutos, quando o telefone tocou, ela atendeu.

– Aloooô...

– Quede a flor que você tirou de minha sepultura?

A voz era longínqua, pausada, surda. Mas a moça riu. E, meio sem compreender:

– O quê?

Desligou. Voltou para o quarto, para as suas obrigações. Cnco minutos depois, o telefone chamava de novo.

– Alô.

– Quede a flor que você tirou de minha sepultura?

Cinco minutos dão para a pessoa mais sem imaginação sustentar um trote. A moça riu de novo, mas preparada.

– Está aqui comigo, vem buscar.

No mesmo tom lento, severo, triste, a voz respondeu:

– Quero a flor que você me furtou. Me dá minha florzinha.

Era homem, era mulher? Tão distante, a voz fazia-se entender, mas não se identificava. A moça topou a conversa:

– Vem buscar, estou te dizendo.

– Você bem sabe que eu não posso buscar coisa nenhuma, minha filha. Quero minha flor, você tem obrigação de devolver.

– Mas quem está falando aí?

– Me dá minha flor, eu estou te suplicando.

– Diga o nome, senão eu não dou.

– Me dá minha flor, você não precisa dela e eu preciso. Quero minha flor, que nasceu na minha sepultura.

O trote era estúpido, não variava, e moça, enjoando logo, desligou. Naquele dia não houve mais nada.

Mas no outro dia houve. À mesma hora o telefone tocou. A moça, inocente, foi atender.

– Alô!

– Quede a flor...

Não ouviu mais. Jogou o fone no gancho, irritada. Mas que brincadeira é essa! Irritada voltou à costura. Não demorou muito, a campainha tinia outra vez. E antes que a voz lamentosa recomeçasse:

– Olhe, vire a chapa, já está pau.

– Você tem que dar conta de minha flor, retrucou a voz de queixa. Pra que foi mexer logo na minha cova? Você tem tudo no mundo, eu, pobre de mim, já acabei. Me faz muita falta aquela flor.

– Essa é fraquinha. Não sabe de outra?

E desligou. Mas, voltando ao quarto, já não ia só. Levava consigo a idéia daquela flor, ou antes, a idéia daquela pessoa idiota que a vira arrancar uma flor no cemitério, e agora a aborrecia pelo telefone. Quem poderia ser? Não se lembrava de Ter visto nenhum conhecido, era distraída por natureza. Pela voz não seria fácil acertar. Certamente se tratava de voz disfarçada, mas tão bem que não se podia saber ao certo se de homem ou de mulher. Esquisito, uma voz fria. E vinha de longe, como de interurbano. Parecia vir de mais longe ainda... Você está vendo que a moça começou a Ter medo.

– E eu também.

– Não seja bobo. O fato é que aquela noite ela custou a dormir. E daí por diante é que não dormiu mesmo nada. A perseguição telefônica não parava. Sempre à mesma hora, no mesmo tom. A voz não ameaçava, não crescia de volume: implorava. Parecia que o diabo da flor constituía para ela a coisa mais preciosa do mundo, e que seu sossego eterno – admitindo que se tratasse de pessoa morta – ficara dependendo da restituição de uma simples flor. Mas seria absurdo admitir tal coisa, e a moça, além do mais, não queria se amofinar. No quinto ou sexto dia, ouviu firme a cantilena da voz e depois passou-lhe uma bruta descompostura. Fosse amolar o boi. Deixasse de ser imbecil (palavra boa, porque convinha a ambos os sexos). E se a voz não se calasse, ela tomaria providências.

A providência consistiu em avisar o irmão e depois o pai. (A intervenção da mãe não abalara a voz.) Pelo telefone, pai e irmão disseram as últimas à voz suplicante. Estavam convencidos de que se tratava de algum engraçado absolutamente sem graça, mas o curioso é que, quando se referiam a ele, diziam "a voz".

– A voz chamou hoje? Indagava o pai, chegando da cidade.

– Ora. É infalível, suspirava a mãe, desalentada.

Descomposturas não adiantavam, pois, ao caso. Era preciso usar o cérebro. Indagar, apurar na vizinhança, vigiar os telefones públicos. Pai e filho dividiram entre si as tarefas. Passaram a freqüentar as casas de comércio, os cafés mais próximos, as lojas de flores, os marmoristas. Se alguém entrava e pedia licença para usar o telefone, o ouvido do espião se afiava. Mas qual. Ninguém reclamava flor de jazigo. E restava a rede dos telefones particulares. Um em cada apartamento, dez, doze no mesmo edifício. Como descobrir?

O rapaz começou a tocar para todos os telefones da Rua General Polidoro, depois para todos os telefones das ruas transversais, depois para todos os telefones da linha dois-meia... Discava, ouvia o alô, conferia a voz – não era –, desligava. Trabalho inútil, pois a pessoa da voz devia estar ali por perto – o tempo de sair do cemitério e tocar para a moça – e bem escondida estava ela, que só se fazia ouvir quando queria, isto é, a uma certa hora da tarde. Essa questão de hora também inspirou à família algumas diligências. Mas infrutíferas.

Claro que a moça deixou de atender telefone. Não falava mais nem com as amigas. Então a "voz", que não deixava de pedir, se outra pessoa estava no aparelho, não dizia mais "você me dá minha flor", mas "quero minha flor", "quem furtou minha flor tem que restituir", etc. Diálogo com essas pessoas a "voz" não mantinha. Sua conversa era com a moça. E a "voz" não dava explicações.

Isso durante quinze dias, um mês, acaba por desesperar um santo. A família não queria escândalos, mas teve de queixar-se à polícia. Ou a polícia estava muito ocupada em prender comunista, ou investigações telefônicas não eram sua especialidade – o fato é que não se apurou nada. Então o pai correu à Companhia Telefônica. Foi recebido por um cavalheiro amabilíssimo, que coçou o queixo, aludiu a fatores de ordem técnica...

– Mas é a tranqüilidade de um lar que eu venho pedir ao senhor! É o sossego de minha filha, de minha casa. Serei obrigado a me privar de telefone?

– Não faça isso, meu caro senhor. Seria uma loucura. Aí é que não se apurava mesmo nada. Hoje em dia é impossível viver sem telefone, rádio e refrigerador. Dou-lhe um conselho de amigo. Volte para sua casa, tranqüilize a família e aguarde os acontecimentos. Vamos fazer o possível.

Bem, você já está percebendo que não adiantou. A voz sempre mendigando a flor. A moça perdendo o apetite e a coragem. Andava pálida, sem ânimo para sair à rua ou para trabalhar. Quem disse que ela queria mais ver enterro passando? Sentia-se miserável, escravizada a uma voz, a uma flor, a um vago defunto que nem sequer conhecia. Porque – já disse que era distraída – nem mesmo se lembrava da cova de onde arrancara aquela maldita flor. Se ao menos soubesse...

O irmão voltou do São João Batista dizendo que, do lado por onde a moça passeara aquela tarde, havia cinco sepulturas plantadas. A mãe não disse coisa alguma, desceu, entrou numa casa de flores da vizinhança, comprou cinco ramalhetes colossais, atravessou a rua como um jardim vivo e foi derramá-los votivamente sobre os cinco carneiros. Voltou para casa e ficou à espera da hora insuportável. Seu coração lhe dizia que aquele gesto propiciatório havia de aplacar a mágoa do enterrado – se é que os mortos sofrem, e aos vivos é dado consolá-los, depois de os haver afligido.

Mas a "voz" não se deixou consolar ou subornar. Nenhuma outra flor lhe convinha senão aquela, miúda, amarrotada, esquecida, que ficara rolando no pó e já não existia mais. As outras vinham de outra terra, não brotavam de seu estrume – isso não dizia a voz, era como se dissesse. E a mãe desistiu de novas oferendas, que já estavam no seu propósito. Flores, missas, que adiantava?

O pai jogou a última cartada: espiritismo. Descobriu um médium fortíssimo, a quem expôs longamente o caso, e pediu-lhe que estabelecesse contato com a alma despojada de sua flor. Compareceu a inúmeras sessões, e grande era sua fé de emergência, mas os poderes sobrenaturais se recusaram a cooperar, ou eles mesmos são impotentes, quando alguém quer alguma coisa até sua última fibra, e a voz continuou, surda, infeliz, metódica. Se era mesmo de vivo (como às vezes a família ainda conjeturava, embora se apegasse cada dia mais a uma explicação desanimadora, que era a falta de qualquer explicação lógica para aquilo), seria de alguém que houvesse perdido toda noção de misericórdia; e se era de morto, como julgar, como vencer os mortos? De qualquer modo, havia no apelo uma tristeza úmida, uma infelicidade tamanha que fazia esquecer o seu sentido cruel, e refletir: até a maldade pode ser triste. Não era possível compreender mais do que isso. Alguém pede continuamente uma certa flor, e esta flor não existe mais para lhe ser dada. Você não acha inteiramente sem esperança?

– Mas, e a moça?

– Carlos, eu preveni que meu caso de flor era muito triste. A moça morreu no fim de alguns meses, exausta. Mas sossegue, para tudo há esperança: a voz nunca mais pediu.

sábado, 23 de julho de 2011

Tchê tchê, bah, tri legal

Que saudade da Redenção
Do Olívio e do Falcão
Cobertor de orelha pro frio
E a galera do Beira-Rio
(Kleiton e Kedir, adaptado por mim)


sexta-feira, 22 de julho de 2011

stress


AAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHHHHHAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHHHHHHHHHAAAAAAAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHHHHAAAAAAAAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHHHHHHHHHAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHHHHHHHHAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHHHHHHHHAAAAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHAAAAAAAAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHAAAAAAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHHHHHHHHHAAAAAAAAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHHHHHHAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHHHHHHHHAAAAAAAAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHHHHHHHHHAAAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHHHHHHHAAAAAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHHHHHAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHHHHHAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHAAAAA

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Quem quiser que conte um conto I: "Para uma avenca partindo"

Para Uma Avenca Partindo
Caio Fernando Abreu




Olha, antes do ônibus partir eu tenho uma porção de coisas pra te dizer, dessas coisas assim que não se dizem costumeiramente, sabe, dessas coisas tão difíceis de serem ditas que geralmente ficam caladas, porque nunca se sabe nem como serão ditas nem como serão ouvidas, compreende? Olha, falta muito pouco tempo, e se eu não te disser agora talvez não diga nunca mais, porque tanto eu como você sentiremos uma falta enorme dessas coisas, e se elas não chegarem a ser ditas nem eu nem você nos sentiremos satisfeitos com tudo que existimos, porque elas não foram existidas completamente, entende, porque as vivemos apenas naquela dimensão em que é permitido viver, não, não é isso que eu quero dizer, não existe uma dimensão permitida e uma outra proibida, indevassável, não me entenda mal, mas é que a gente tem tanto medo de penetrar naquilo que não sabe se terá coragem de viver, no mais fundo, eu quero dizer, é isso mesmo, você está acompanhando meu raciocínio? Falava do mais fundo, desse que existe em você, em mim, em todos esses outros com suas malas, suas bolsas, suas maçãs, não, não sei porque todo mundo compra maçãs antes de viajar, nunca tinha pensado nisso, por favor, não me interrompa, realmente não sei, existem coisas que a gente ainda não pensou, que a gente talvez nunca pense, eu, por exemplo, nunca pensei que houvesse alguma coisa a dizer além de tudo o que já foi dito, ou melhor pensei sim, não, pensar propriamente dito não, mas eu sabia, é verdade que eu sabia, que havia uma outra coisa atrás e além das nossas mãos dadas, dos nossos corpos nus, eu dentro de você, e mesmo atrás dos silêncios, aqueles silêncios saciados, quando a gente descobria alguma coisa pequena para observar, um fio de luz coado pela janela, um latido de cão no meio da noite, você sabe que eu não falaria dessas coisas se não tivesse a certeza de que você sentia o mesmo que eu a respeito dos fios de luz, dos latidos de cães, é, eu não falaria, uma vez eu disse que a nossa diferença fundamental é que você era capaz apenas de viver
as superfícies, enquanto eu era capaz de ir ao mais fundo, você riu porque eu dizia que não era cantando desvairadamente até ficar rouca que você ia conseguir saber alguma coisa a respeito de si própria, mas sabe, você tinha razão em rir daquele jeito porque eu também não tinha me dado conta de que enquanto ia dizendo aquelas coisas eu também cantava desvairadamente até ficar rouco, o que eu quero dizer é que nós dois cantamos desvairadamente até agora sem nos darmos contas, é por isso que estou tão rouco assim, não, não é dessa coisa de garganta que falo, é de uma outra de dentro, entende? Por favor, não ria dessa maneira nem fique consultando o relógio o tempo todo, não é preciso, deixa eu te dizer antes que o ônibus parta que você cresceu em mim de um jeito completamente insuspeitado, assim como se você fosse apenas uma semente e eu plantasse você esperando ver uma plantinha qualquer, pequena, rala, uma avenca, talvez samambaia, no máximo uma roseira, é, não estou sendo agressivo não, esperava de você apenas coisas assim, avenca, samambaia, roseira, mas nunca, em nenhum momento essa coisa enorme que me obrigou a abrir todas as janelas, e depois as portas, e pouco a pouco derrubar todas as paredes e arrancar o telhado para que você crescesse livremente, você não cresceria se eu a mantivesse presa num pequeno vaso, eu compreendi a tempo que você precisava de muito espaço, claro, claro que eu compro uma revista pra você, eu sei, é bom ler durante a viagem, embora eu prefira ficar olhando pela janela e pensando coisas, estas mesmas coisas que estou tentando dizer a você sem conseguir, por favor, me ajuda, senão vai ser muito tarde, daqui a pouco não vai mais ser possível, e se eu não disser tudo não poderei nem dizer e nem fazer mais nada, é preciso que a gente tente de todas as maneiras, é o que estou fazendo, sim, esta é minha última tentativa, olha, é bom você pegar sua passagem, porque você sempre perde tudo nessa sua bolsa, não sei como é que você consegue, é bom você ficar com ela na mão para evitar qualquer
atraso, sim, é bom evitar os atrasos, mas agora escuta: eu queria te dizer uma porção de coisas, de uma porção de noites, ou tardes, ou manhãs, não importa a cor, é, a cor, o tempo é só uma questão de cor não é? Por isso não importa, eu queria era te dizer dessas vezes em que eu te deixava e depois saía sozinho, pensando também nas coisas que eu não ia te dizer, porque existem coisas terríveis, eu me perguntava se você era capaz de ouvir, sim, era preciso estar disponível para ouvi-las, disponível em relação a quê? Não sei, não me interrompa agora que estou quase conseguindo, disponível só, não é uma palavra bonita? Sabe, eu me perguntava até que ponto você era aquilo que eu via em você ou apenas aquilo que eu queria ver em você, eu queria saber até que ponto você não era apenas uma projeção daquilo que eu sentia, e se era assim, até quando eu conseguiria ver em você todas essas coisas que me fascinavam e que no fundo, sempre no fundo, talvez nem fossem suas, mas minhas, e pensava que amar era só conseguir ver, e desamar era não mais conseguir ver, entende? Dolorido-colorido, estou repetindo devagar para que você possa compreender, melhor, claro que eu dou um cigarro pra você, não, ainda não, faltam uns cinco minutos, eu sei que não devia fumar tanto, é eu sei que os meus dentes estão ficando escuros, e essa tosse intolerável, você acha mesmo a minha tosse intolerável? Eu estava dizendo, o que é mesmo que eu estava dizendo? Ah: sabe, entre duas pessoas essas coisas sempre devem ser ditas, o fato de você achar minha tosse intolerável, por exemplo, eu poderia me aprofundar nisso e concluir que você não gosta de mim o suficiente, porque se você gostasse, gostaria também da minha tosse, dos meus dentes escuros, mas não aprofundando não concluo nada, fico só querendo te dizer de como eu te esperava quando a gente marcava qualquer coisa, de como eu olhava o relógio e andava de lá pra cá sem pensar definidamente e nada, mas não, não é isso, eu ainda queria chegar mais perto daquilo que está lá no centro e que um dia
destes eu descobri existindo, porque eu nem supunha que existisse, acho que foi o fato de você partir que me fez descobrir tantas coisas, espera um pouco, eu vou te dizer de todas as coisas, é por isso que estou falando, fecha a revista, por favor, olha, se você não prestar muita atenção você não vai conseguir entender nada, sei, sei, eu também gosto muito do Peter Fonda, mas isso agora não tem nenhuma importância, é fundamental que você escute todas as palavras, todas, e não fique tentando descobrir sentidos ocultos por trás do que estou dizendo, sim, eu reconheço que muitas vezes falei por metáforas, e que é chatíssimo falar por metáforas, pelo menos para quem ouve, e depois, você sabe, eu sempre tive essa preocupação idiota de dizer apenas coisas que não ferissem, está bem, eu espero aqui do lado da janela, é melhor mesmo você subir, continuamos conversando enquanto o ônibus não sai, espera, as maçãs ficam comigo, é muito importante, vou dizer tudo numa só frase, você vai ......... ............ ............. ............ .......... ........... ............. ............ ............ ............ ......... ........... ............ ............ sim, eu sei, eu vou escrever, não eu não vou escrever, mas é bom você botar um casaco, está esfriando tanto, depois, na estrada, olha, antes do ônibus partir eu quero te dizer uma porção de coisas, será que vai dar tempo? Escuta, não fecha a janela, está tudo definido aqui dentro, é só uma coisa, espera um pouco mais, depois você arruma as malas e as botas, fica tranqüila, esse velho não vai incomodar você, olha, eu ainda não disse tudo, e a culpa é única e exclusivamente sua, por que você fica sempre me interrompendo e me fazendo suspeitar que você não passa mesmo duma simples avenca? Eu preciso de muito silêncio e de muita concentração para dizer todas as coisas que eu tinha pra te dizer, olha, antes de você ir embora eu quero te dizer quê.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Adote um amigo



Pessoal de Fortaleza, procurando um amigo bicho especial. Essa menina de Fortaleza pode lhe ajudar. O nome dela é Kariny e tem uma dedicação muito especial aos queridos pet's. Veja o álbum de fotos e quem sabe, lá você encontra aquele amigo bicho muito especial:
http://www.orkut.com.br/Main#Notifications?uid=17176018378962541654

E doações para CONSTRUÇÃO DE CANIS E GATIS PARA ANIMAIS RESGATADOS:

http://www.vakinha.com.br/VaquinhaP.aspx?e=80395

Na história

Muitos deles não sabiam o horror que se seguiria... Marcharam pela família e repudiando o "comunismo totalitário e antihumano", em favor daqueles que torturaram, mataram e mentem até hoje sobre essa história sombria do país.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Futebol feminino e a mídia


Fico indignada pela pouca atenção que a mídia dá ao futebol feminino. Futebol é febre nacional, mas o futebol masculino. O feminino, todo mundo admira, fala da Marta, da Cristiane, mas é só... Quantas pessoas sabem que acontece, neste momento a Copa do Mundo de Futebol Feminino? Quantos jogos de seleções femininas, em plena copa, vocês estão vendo passar na TV?
Quando o assunto é Copa da Mundo de Futebol Masculino, chamada só de Copa do Mundo, porque é como se fosse a única, passam todos os jogos, de todas seleções, na Globo. Colocam-se telões em praias e parques, as pessoas são liberadas do trabalho para assistir do "Da Seleção" (masculina). Mas a Copa do Mundo (feminina), a mídia mal se limita a passar os gols da nossa SELEÇÃO e anuncia como se já estivesse de muito bom tamanho. Ressalvo a Band, que lembro que passou jogos de seleções femininas na última Copa do Mundo; este ano não sei, pois aqui em Fortaleza não tem sinal da Band. Parabéns a este canal, caso esteja passando os jogos.
Aos demais, fica aqui a minha indignação diante de tanta invisibilidade.
Mulheres a luta, na vida, no trabalho, no esporte, no futebol: queremos igualdade, inclusive na mídia, para alcançar um país mais justo e igualitário.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

CONTARDO CALLIGARIS

Passeatas diferentes



Por que alguém desfila para pedir não liberdade para si mesmo, mas repressão para os outros?




DOMINGO PASSADO, em São Paulo, foi o dia da Parada Gay.
Alguns criticam o caráter carnavalesco e caricatural do evento. Alexandre Vidal Porto, em artigo na Folha do próprio domingo, escreveu que, na luta pela aceitação pública, "é mais estratégico exibir a semelhança" do que as diferenças, pois a conduta e a aparência "ultrajantes" podem ter "efeito negativo" sobre o processo político que leva à igualdade dos homossexuais. Conclusão: "O papel da Parada é mostrar que os homossexuais são seres humanos comuns, que têm direito a proteção e respeito, como qualquer outro cidadão".
Entendo e discordo. Para ter proteção e respeito, nenhum cidadão deveria ser forçado a mostrar conformidade aos ideais estéticos, sexuais e religiosos dominantes. Se você precisa parecer "comum" para que seus direitos sejam respeitados, é que você está sendo discriminado: você não será estigmatizado, mas só à condição que você camufle sua diferença.
Importa, portanto, proteger os direitos dos que não são e não topam ser "comuns", aqueles cujos comportamentos "caricaturais" testam os limites da aceitação social.
Nos últimos anos, mundo afora, as Paradas Gays ganharam a adesão de milhões de heterossexuais porque elas são o protótipo da manifestação libertária: pessoas desfilando por sua própria liberdade, sem concessões estratégicas. É essa visão que atrai, suponho, as famílias que adotam a Parada Gay como programa de domingo. A "complicação" de ter que explicar às crianças a razão de homens se esfregarem meio pelados ou de mulheres se beijarem na boca é largamente compensada pela lição cívica: com o direito deles à diferença, o que está sendo reafirmado é o direito à diferença de cada um de nós.
O mesmo vale para a Marcha para Jesus, que foi na última quinta (23), também em São Paulo. Para muitos que desfilaram, imagino que a passeata por Jesus tenha sido um momento de afirmação positiva de seus valores e de seu estilo de vida -ou seja, um desfile para dizer a vontade de amar e seguir Cristo, inclusive de maneira caricatural, se assim alguém quiser.
Ora, segundo alguns líderes evangélicos, os manifestantes de quinta-feira não saíram à rua para celebrar sua própria liberdade, mas para criticar as recentes decisões pelas quais o STF reconheceu a união estável de casais homossexuais e autorizou as marchas pela liberação da maconha. Ou seja, segundo os líderes, a marcha não foi por Jesus, mas contra homossexuais e libertários.
Pois é, existem três categorias de manifestações: 1) as mais generosas, que pedem liberdade para todos e sobretudo para os que, mesmo distantes e diferentes de nós, estão sendo oprimidos; 2) aquelas em que as pessoas pedem liberdade para si mesmas; 3) aquelas em que as pessoas pedem repressão para os outros.
O que faz que alguém desfile pelas ruas para pedir não liberdade para si mesmo, mas repressão para os outros?
O entendimento trivial desse comportamento é o seguinte: em regra, para combater um desejo meu e para não admitir que ele é meu, eu passo a reprimi-lo nos outros.
Seria simplório concluir que os que pedem repressão da homossexualidade sejam todos homossexuais enrustidos. A regra indica sobretudo a existência desta dinâmica geral: quanto menos eu me autorizo a desejar, tanto mais fico a fim de reprimir o desejo dos outros. Explico.
Digamos que eu seja namorado, corintiano, filho, pai, paulista, marxista e cristão; cada uma dessas identidades pode enriquecer minha vida, abrindo portas e janelas novas para o mundo, permitindo e autorizando sonhos e atos impensáveis sem ela. Mas é igualmente possível, embora menos alegre, abraçar qualquer identidade não pelo que ela permite, mas por tudo o que ela impede.
Exemplo: sou marido para melhor amar a mulher que escolhi ou sou marido para me impedir de olhar para outras? Não é apenas uma opção retórica: quem vai pelo segundo caminho se define e se realiza na repressão -de seu próprio desejo e, por consequência, do desejo dos outros. Para se forçar a ser monogâmico, ele pedirá apedrejamento para os adúlteros: reprimirá os outros, para ele mesmo se reprimir. No contexto social certo, ele será soldado de um dos vários exércitos de pequenos funcionários da repressão, que, para entristecer sua própria vida, precisam entristecer a nossa.

ccalligari@uol.com.br