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sexta-feira, 30 de julho de 2010

Pelos tempos a fora...

"Para que a sociedade seja feliz e o povo tranquilo nas circunstâncias mais adversas,
é necessário que grande parte dele seja ignorante e pobre. O conhecimento não só
amplia como multiplica nossos desejos (...) Portanto, o bem-estar e a felicidade de
todo o Estado ou Reino requerem que o conhecimento dos trabalhadores pobres fique
confinado dentro dos limites de suas ocupações e jamais se estenda (em relação às coisas visíveis) além do que se relaciona com a sua missão. Quanto mais um pastor, um arador ou qualquer outro camponês souber sobre o mundo e sobre o que é alheio ao seu trabalho e emprego, menos capaz será de suportar as fadigas e as dificuldades de sua vida com alegria e contentamento"
. (Mandeville apud Thompson, pg. 15/Costumes em Comum)

Mandeville escreveu isso no século XVIII e infelizmente esse continua sendo o pensamento de quase toda a classe dominante e de uma grande parte de nossos políticos. Educar pra que? O povo tem que é trabalhar, sem reclamar!

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Renovar

Nenhum problema pode ser resolvido a partir da mesma consciência que o criou. Precisamos aprender a ver o mundo renovado (EINSTEIN)

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Galeano

Pouco comento aqui, mas Eduardo Galeano é um de meus escritores favoritos... O cunho cotidiano e político, além de poético, de suas narrativas, crônicas, pensamentos e observações realçam nossa luta e fé no mundo.

A indicação de hoje é "O Livro dos Abraços". Ele está disponível em PDF na internet (api.ning.com/files/.../livrodosabraos.pdf), mas pra quem, assim como eu, curte ter o livro em mãos, em papel, pra poder manipular, assinalar, carregar, recomendo a compra, até por não ser um livro caro.

Alguns trechos:

A arte das crianças
Mario Montenegro canta os contos que seus filhos lhe contam. Ele senta
no chão, com seu violão, rodeado por um círculo de filhos, e essas crianças ou
coelhos contam para ele a história dos setenta e oito coelhos que subiram um em
cima do outro para poder beijar a girafa, ou contam a história do coelho azul que
estava sozinho no meio do céu: uma estrela levou o coelho azul para passear pelo
céu, e visitaram a lua, que é um grande país branco e redondo e todo cheio de
buracos, e andaram girando pelo espaço, e saltaram sobre as nuvens de algodão, e
depois a estrela se cansou e voltou para o país das estrelas, e o coelho voltou para o
país dos coelhos, e lá comeu milho e cagou e foi dormir e sonhou que era um coelho
azul que estava sozinho no meio do céu.

Os sonhos esquecidos
Helena sonhou que deixava os sonhos esquecidos numa ilha. Claribel
Alegria recolhia os sonhos, os amarrava com uma fita e os guardava bem
guardados. Mas as crianças da casa descobriam o esconderijo e queriam vestir os
sonhos de Helena, e Claribel, zangada, dizia a eles:
— Nisso ninguém mexe.
Então Claribel telefonava para Helena e perguntava:
— O que eu faço com seus sonhos?

A burocracia/3
Sixto Martínez fez o serviço militar num quartel de Sevilha. No meio do
pátio desse quartel havia um banquinho. Junto ao banquinho, um soldado
montava guarda. Ninguém sabia porque se montava guarda para o banquinho. A
guarda era feita por que sim, noite e dia, todas as noites, todos os dias, e de
geração em geração os oficiais transmitiam a ordem e os soldados obedeciam.
Ninguém nunca questionou, ninguém nunca perguntou. Assim era feito, e sempre
tinha sido feito.
E assim continuou sendo feito até que alguém, não sei qual general ou
coronel, quis conhecer a ordem original. Foi preciso revirar os arquivos a fundo. E
depois de muito cavoucar, soube-se. Fazia trinta e um anos, dois meses e quatro
dias, que um oficial tinha mandado montar guarda junto ao banquinho, que fora
recém-pintado, para que ninguém sentasse na tinta fresca.

Causos/2
Nos antigamentes, dom Verídico semeou casas e gentes em volta do
botequim El Resorte, para que o botequim não se sentisse sozinho. Este causo
aconteceu, dizem por aí, no povoado por ele nascido.
E dizem por aí que ali havia um tesouro, escondido na casa de um
velhinho todo mequetrefi.
Uma vez por mês, o velhinho, que estava nas últimas, se levantava da
cama e ia receber a pensão.
Aproveitando a ausência, alguns ladrões, vindos de Montevidéu,
invadiram a casa.
Os ladrões buscaram e buscaram o tesouro em cada canto. A única coisa
que encontraram foi um baú de madeira, coberto de trapos, num canto do porão. O
tremendo cadeado que o defendia resistiu, invicto, ao ataque das gazuas.
E assim, levaram o baú. Quando finalmente conseguiram abri-lo, já longe
dali, descobriram que o baú estava cheio de cartas. Eram as cartas de amor que o
velhinho tinha recebido ao longo de sua longa vida.
Os ladrões iam queimar as cartas. Discutiram. Finalmente, decidiram
devolvê-las. Uma por uma. Uma por semana.
Desde então, ao meio-dia de cada segunda-feira, o velhinho se sentava no
alto da colina. E lá esperava que aparecesse o carteiro no caminho. Mal via o
cavalo, gordo de alforjes, entre as árvores, o velhinho desandava a correr. O
carteiro, que já sabia, trazia sua carta nas mãos.
E até São Pedro escutava as batidas daquele coração enlouquecido de
alegria por receber palavras de mulher.

Noite de Natal
Fernando Silva dirige o hospital de crianças, em Manágua. Na véspera do
Natal, ficou trabalhando até muito tarde. Os foguetes esposavam e os fogos de
artifício começavam a iluminar o céu quando Fernando decidiu ir embora. Em casa,
esperavam por ele para festejar.
Fez um último percorrido pelas salas, vendo se tudo ficava em ordem, e
estava nessa quando sentiu que passos o seguiam. Passos de algodão: virou e
descobriu que um dos doentinhos andava atrás dele. Na penumbra, reconheceu-o.
Era um menino que estava sozinho. Fernando reconheceu sua cara marcada pela
morte e aqueles olhos que pediam desculpas ou talvez pedissem licença.
Fernando aproximou-se e o menino roçou-o com a mão: — Diga para... —
sussurrou o menino —. Diga para alguém que eu estou aqui.

Os ninguéns
As pulgas sonham com comprar um cão, e os ninguéns com deixar a
pobreza, que em algum dia mágico a sorte chova de repente, que chova a boa sorte
a cântaros; mas a boa sorte não chove ontem, nem hoje, nem amanhã, nem nunca,
nem uma chuvinha cai do céu da boa sorte, por mais que os ninguéns a chamem e
mesmo que a mão esquerda coce, ou se levantem com o pé direito, ou comecem o
ano mudando de vassoura.
Os ninguéns: os filhos de ninguém, os donos de nada.
Os ninguéns: os nenhuns, correndo soltos, morrendo a vida, fodidos e
mal pagos:
Que não são, embora sejam.
Que não falam idiomas, falam dialetos.
Que não praticam religiões, praticam superstições.
Que não fazem arte, fazem artesanato.
Que não são seres humanos, são recursos humanos.
Que não tem cultura, têm folclore.
Que não têm cara, têm braços.
Que não têm nome, têm número.
Que não aparecem na história universal, aparecem nas páginas policiais
da imprensa local.
Os ninguéns, que custam menos do que a bala que os mata.

Anúncios
Vende-se: — Uma negra meio boçal, da nação cabinda, pela quantidade
de 430 pesos. Tem rudímentos de costurar e passar.
— Sanguessugas recém-chegadas da Europa, da melhor qualidade, por
quatro, cinco e seis vinténs uma.
— Um carro, por quinhentos patacões, ou troca-se por negra.
— Uma negra, de idade de treze a quatorze anos, sem vícios, de nação
bangala.
— Um mulatinho de idade onze anos, com rudímentos de alfaiate.
— Essência de salsaparrilha, a dois pesos o frasquinho.
— Uma primeiriça com poucos dias de parida. Não tem cria, mas tem
abundante leite bom.
— Um leão, manso feito um cão, que come de tudo, e também uma cômoda
e uma caixa de embuia.
— Uma criada sem vícios nem doenças, de nação conga, de idade de uns
dezoito anos, e além disso um piano e outros móveis a preços cômodos.
(Dos jornais uruguaios de 1840, vinte e sete anos depois da abolição da escravatura.)

Teologia/2
O deus dos cristãos, Deus da minha infância, não faz amor. Talvez o
único deus que nunca fez amor, entre todos os deuses de todas as religiões da
história humana. Cada vez que penso nisso, sinto pena dele. E então o perdôo por
ter sido meu super-pai castigador, chefe de polícia do universo, e penso que afinal
Deus também foi meu amigo naqueles velhos tempos, quando eu acreditava Nele e
acreditava que Ele acreditava em mim. Então preparo a orelha,, na hora dos
rumores mágicos, entre o pôr-do-sol e o nascer subir da noite, e acho que escuto
suas melancólicas confidencias.

O diagnóstico e a terapêutica
O amor é uma das doenças mais bravas e contagiosas. Qualquer um
reconhece os doentes dessa doença. Fundas olheiras delatam que jamais dormimos,
despertos noite após noite pelos abraços, ou pela ausência de abraços, e padecemos
febres devastadoras e sentimos uma irresistível necessidade de dizer estupidezes. O
amor pode ser provocado deixando cair um punhadinho de pó de me ame, como por
descuido, no café ou na sopa ou na bebida. Pode ser provocado, mas não pode
impedir. Não o impede nem a água benta, nem o pó de hóstia; tampouco o dente de
alho, que nesse caso não serve para nada. O amor é surdo frente ao Verbo divino e
ao esconjuro das bruxas. Não há decreto de governo que possa com ele, nem poção
capaz de evitá-lo, embora as vivandeiras apregoem, nos mercados, infalíveis
beberagens com garantia e tudo.

A cultura do terror/3
Sobre uma menina exemplar: Uma menina brinca com duas bonecas e
briga com elas para que fíquem quietas. Ela também parece uma boneca porque é
linda e boazinha e porque não incomoda ninguém.
(Do livro Adelante, de J. H. Figueira, que foi livro escolar nas escolas do Uruguai até
poucos anos atrás).

A cultura do terror/6
Pedro Algorta, advogado, mostrou-me o gordo expediente do assassinato
de duas mulheres. O crime duplo tinha sido à faca, no final de 1982, num subúrbio
de Montevidéu.
A acusada, Alma Di Agosto, tinha confessado. Estava presa fazia mais de
um ano; e parecia condenada a apodrecer no cárcere o resto da vida.
Seguindo o costume, os policiais tinham violado e torturado a mulher.
Depois de um mês de contínuas surras, tinham arrancado de Alma várias
confissões. As confissões não eram muito parecidas entre si, como se ela tivesse
cometido o mesmo assassinato de maneiras muito diferentes. Em cada confissão
havia personagens diferentes, pitorescos fantasmas sem nome ou domicílio, porque
a máquina de dar choques converte qualquer um em fecundo romancista; e em
todos os casos a autora demonstrava ter a agilidade de uma atleta olímpica, os
músculos de uma forçuda de parque de diversões e a destreza de uma matadora
profissional. Mas o que mais surpreendia era a riqueza de detalhes: em cada
confissão, a acusada descrevia com precisão milimétrica roupas, gestos, cenários,
situações, objetos...
Alma Di Agosto era cega.
Seus vizinhos, que a conheciam e gostavam dela, estavam convencidos
de que ela era culpada*.
— Por quê? — perguntou o advogado.
— Porque os jornais dizem.
— Mas os jornais mentem — disse o advogado.
— Mas o rádio também diz— explicaram os vizinhos —. E até a televisão.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Desenhos

A vida de um cinéfilo (e também de apreciadores de cinema) não é feita só de grandes filmes, mas o verdadeiro amante da sétima arte deve também estar atento a tantas obras feitas no mundo dos desenhos. Hoje vou indicar dois desenhos novos, que vi recentemente, mas que valem muito a pena.
O primeiro é "Up!" (Pixar), simples assim. Esse desenho teve nada menos que o mérito de ter sido indicado ao Oscar de Melhor filme (entre tantos outros) e óbvio, ganhou o de melhor animação.
"Up!" fala dos sonhos, do conflito geracional, do envelhecimento... e acima de tudo, do amor, um amor singelo, que começa igual a muitos e tem a sorte de ser "pra sempre"... aí, quem quer ingressar numa viagem numa casa voadora levada por balões?
"Up!", um dos melhores desenhos que já vi.


O segundo é bem mais singelo, menos complexo, mas também digno de ser visto. "Monstros x Alienígenas" (DreamWorks). Parece bobo? E é! Risadas de início ao fim, gargalhadas com gosto de infância, além de piadas inteligentes críticas a política estadonidense.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

...

Minha vida tá assim
Mais ou menos como um pudim
Quando um lado se ajeita
E sai bonitinho da forma
O outro lado começa a balançar
Ameaçando cair...

terça-feira, 20 de julho de 2010

Feliz dia do Amigo!!!

Amigos de verdade, quem não os tem, não tem nem consegue nada. Abaixo poemas dedicados a todos os amigos, sejam eles meus ou de outros, mas enfim, sustentem este título de nobreza: AMIGO!

Tenho amigos que não sabem o
quanto são meus amigos.
Não percebem o amor que lhes
devoto e a absoluta
necessidade que tenho deles.
A amizade é um sentimento mais
nobre do que o amor,
eis que permite que o objeto dela
se divida em outros afetos,
enquanto o amor tem intrínseco o ciúme,
que não admite a rivalidade.
E eu poderia suportar,
embora não sem dor,
que tivessem morrido todos os
meus amores, mas enlouqueceria
se morressem todos os meus amigos!

Até mesmo aqueles que não percebem
o quanto são meus amigos e o quanto
minha vida depende de suas existências ....
A alguns deles não procuro, basta-me
saber que eles existem.
Esta mera condição me encoraja a seguir
em frente pela vida.

Mas, porque não os procuro com
assiduidade, não posso lhes dizer o
quanto gosto deles.
Eles não iriam acreditar.
Muitos deles estão ouvindo esta crônica
e não sabem que estão incluídos na
sagrada relação de meus amigos.

Mas é delicioso que eu saiba e sinta
que os adoro, embora não declare e
não os procure.
E às vezes, quando os procuro,
noto que eles não tem
noção de como me são necessários,
de como são indispensáveis
ao meu equilíbrio vital,
porque eles fazem parte
do mundo que eu, tremulamente,
construí e se tornaram alicerces do
meu encanto pela vida.

Se um deles morrer,
eu ficarei torto para um lado.
Se todos eles morrerem, eu desabo!
Por isso é que, sem que eles saibam,
eu rezo pela vida deles.
E me envergonho,
porque essa minha prece é,
em síntese, dirigida ao meu bem estar.
Ela é, talvez, fruto do meu egoísmo.
Por vezes, mergulho em pensamentos
sobre alguns deles.

Quando viajo e fico diante de
lugares maravilhosos, cai-me alguma
lágrima por não estarem junto de mim,
compartilhando daquele prazer ...
Se alguma coisa me consome
e me envelhece é que a
roda furiosa da vida não me permite
ter sempre ao meu lado, morando
comigo, andando comigo,
falando comigo, vivendo comigo,
todos os meus amigos, e,
principalmente os que só desconfiam
ou talvez nunca vão saber
que são meus amigos!

A gente não faz amigos, reconhece-os.
(Vinicius de Moraes)

Soneto do amigo

Enfim, depois de tanto erro passado
Tantas retaliações, tanto perigo
Eis que ressurge noutro o velho amigo
Nunca perdido, sempre reencontrado.

É bom sentá-lo novamente ao lado
Com olhos que contêm o olhar antigo
Sempre comigo um pouco atribulado
E como sempre singular comigo.

Um bicho igual a mim, simples e humano
Sabendo se mover e comover
E a disfarçar com o meu próprio engano.

O amigo: um ser que a vida não explica
Que só se vai ao ver outro nascer
E o espelho de minha alma multiplica...

Vinicius de Moraes

Síntese da felicidade

Desejo a você

Fruto do mato

Cheiro de jardim

Namoro no portão

Domingo sem chuva

Segunda sem mau humor

Sábado com seu amor

Filme do Carlitos

Chope com amigos

Crônica de Rubem Braga

Viver sem inimigos

Filme antigo na TV

Ter uma pessoa especial

E que ela goste de você

Música de Tom com letra de Chico

Frango caipira em pensão do interior

Ouvir uma palavra amável

Ter uma surpresa agradável

Ver a Banda passar

Noite de lua Cheia

Rever uma velha amizade

Ter fé em Deus

Não Ter que ouvir a palavra não

Nem nunca, nem jamais e adeus.

Rir como criança

Ouvir canto de passarinho

Sarar de resfriado

Escrever um poema de Amor

Que nunca será rasgado

Formar um par ideal

Tomar banho de cachoeira

Pegar um bronzeado legal

Aprender um nova canção

Esperar alguém na estação

Queijo com goiabada

Pôr-do-Sol na roça

Uma festa

Um violão

Uma seresta

Recordar um amor antigo

Ter um ombro sempre amigo

Bater palmas de alegria

Uma tarde amena

Calçar um velho chinelo

Sentar numa velha poltrona

Tocar violão para alguém

Ouvir a chuva no telhado

Vinho branco

Bolero de Ravel

E muito carinho meu.

Carlos Drummond de Andrade

PRECISA-SE DE UM AMIGO
Não precisa ser homem, basta ser humano, ter
sentimentos.
Não é preciso que seja de primeira mão, nem
imprescindível , que seja de segunda mão.
Não é preciso que seja puro, ou todo impuro, mas não
deve ser vulgar.
Pode já ter sido enganado ( todos os amigos são
enganados).
Deve sentir pena das pessoas tristes e compreender o
imenso vazio dos solitários.
Deve gostar de crianças e lastimar aquelas que não
puderam nascer.
Deve amar o próximo e respeitar a dor que todos levam
consigo.
Tem que gostar de poesia, dos pássaros, do por do sol e
do canto dos ventos.
E seu principal objetivo de ser o de ser amigo.
Precisa-se de um amigo que faça a vida valer a pena, não
porque a vida é bela, mas por já se ter um amigo.
Precisa-se de um amigo que nos bata no ombro, sorrindo
ou chorando, mas que nos chame de amigo.
Precisa-se de um amigo para ter-se a consciência de que
ainda se vive.
Carlos Drummond de Andrade.

Loucos e Santos

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila.
Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.
A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos.
Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo.
Deles não quero resposta, quero meu avesso.
Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.
Para isso, só sendo louco.
Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.
Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta.
Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria.
Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto.
Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade.
Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.
Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça.
Não quero amigos adultos nem chatos.
Quero-os metade infância e outra metade velhice!
Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa.
Tenho amigos para saber quem eu sou.
Pois os vendo loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.
Oscar Wilde
Censo 2010: Sou negro e sou de Axé!


No próximo mês de agosto, a população brasileira dos 5.565 municípios estará recebendo recenseadores e recenseadoras para o levantamento demográfico que desde o primeiro censo, em 1872, com 643(1) municípios, se mostrou como importante fonte de dados.

Sabemos do valor das informações coletadas para acompanhar o crescimento, a distribuição geográfica e a evolução das características da população e como elementos importantes para definição de políticas públicas em nível nacional, estadual e municipal, bem como para a tomada de decisões na iniciativa privada, incluindo, atualmente (para algumas), as ações de responsabilidade social.

Foi no censo de 1872 que, pela primeira vez, o conjunto da população era compreendido oficialmente em termos raciais, base para o estabelecimento de novas diferenças entre os grupos sociais. Diferenças ainda longe das concepções hierarquizantes e poligenistas que se acercariam da noção de raça, anos mais tarde.

Naquele momento, tratava-se de conhecer uma população de ex-escravizados que começava a exceder cada vez mais o número dos ainda escravizados. E esta diferença era possível na medida em que a instituição escravista tinha perdido a legitimidade devido à ação de grupos abolicionistas ou mesmo por meio das consequências da abolição do tráfico (1850) ou das leis posteriores que prometiam, apesar de gradual, a abolição da escravidão: a lei do ventre livre (1871), depois a lei dos sexagenários (1885), seguida da proibição dos açoites (1886) (2).

É muito importante anotar que a noção de “cor”, herdada do período colonial, não designava, preferencialmente, matrizes de pigmentação ou níveis diferentes de mestiçagem, mas buscava definir lugares sociais, nos quais etnia e condição social estavam indissociavelmente ligadas. (3)

O novo Movimento Negro, surgido nos anos 1970, enfrentou a falácia da “democracia racial” entendendo que a o quesito “cor” era determinante do lugar social da população negra. Esse conhecimento, sustentado por militantes e pensadores na área das ciências humanas e sociais (incluindo a economia e a estatística), levou a uma campanha, em nível nacional, para o censo de 1991: “Não deixe sua cor passar em branco”.

Se fizermos uma breve retrospectiva do quesito “raça” / “cor” nos censos do País, não é difícil compreender a necessidade dessa campanha por parte do Movimento Negro:

1 - o quesito “raça” foi pesquisado nos censos de 1872 e de 1890;
2 - foi suprimido em 1900 e 1920;
3 - o quesito retorna em 1940, sob o rótulo de “cor”;
4 - em 1970, o questionário não contemplou o quesito “cor”;
5 - em 1980, o quesito volta a aparecer;
6 - em 1991 o quesito “cor” está presente, incorporando a (nova) categoria “indígenas e amarelos”;
7 - o censo de 2000 admitiu “raça e cor” como sinônimos, compondo uma única categoria (“cor ou raça”). (4)


A força da campanha do Movimento Negro tinha ainda maior razão! Além da invisibilidade da população negra, pela falácia da “democracia racial”, o quesito “cor”, respondido apenas no Questionário Amostra, tangenciava uma população já impregnada pelo não lugar do ser negro, colocado sempre no lugar de 2ª classe!

“Não deixe sua cor passar em branco!” cobriu o censo de 1991 e foi reprisada no censo de 2000, com o objetivo de sensibilizar os negros e seus descendentes para assumirem sua identidade histórica insistentemente negada; ao mesmo tempo em que era um alerta para a manipulação da identidade étnico-racial dos negros brasileiros em virtude de uma miscigenação que se constitui num instrumento eficaz de embranquecimento do país por meio da instituição de uma hierarquia cromática e de fenótipos que têm na base o negro retinto e no topo o ‘‘branco da terra'', oferecendo aos intermediários o benefício simbólico de estarem mais próximos do ideal humano, o branco. (5)

Apesar de, neste novo censo de 2010, o quesito “cor ou raça” sair do Questionário da Amostra e passar a ser investigado também no Questionário Básico, cobrindo toda a população recenseada (6), ainda há um longo caminho da superação do racismo para que todos e todas respondam pela dignidade e pelo reforço da auto-estima de pertencerem a um grupo étnico que só tem feito contribuir eficiente e eficazmente para o desenvolvimento do País.

Ao contrário do que propõe as “assertivas” de exclusão, a identificação da população negra se faz necessária sempre e a cada vez para que se constate em números (como gosta o parâmetro científico) o racismo histórico que ainda está perpetrado sobre a população negra. Só depois que alcançarmos a liberdade de fato é que as anotações étnicas passarão a ser fatores que dizem respeito exclusivamente à cultura. Enquanto estivermos, como estamos hoje – após 122 anos da abolição da escravatura – vivendo uma abolição não conclusa, precisaremos reafirmar nossa etnia do ponto de vista político; econômico; habitacional; na área da saúde; na área da educação; nas condições de supressão da liberdade que não se dá apenas aos presidiários, mas a pais e mães que clamam por políticas para garantir que seus filhos e filhas possam crescer com dignidade e sem ameaças.

A proposta do IBGE de tirar a “fotografia” mais nítida o possível do Brasil, ainda está longe de ser alcançada!

E a luta do povo negro não termina! O racismo é tão implacável que, a cada etapa alcançada, um novo desafio se apresenta!

Para este ano, novamente o Movimento Negro está em campanha, em nível nacional! E, agora, é para que todos aqueles que são adeptos das Religiões de Matrizes Africanas respondam sem qualquer dissimulação: “Quem é de Axé diz que é!” (**)

O quesito “religião ou culto” continua no Questionário de Amostra e tem campo aberto para que o recenseador ou a recenseadora anote a “religião ou culto” declarado pelo cidadão, pela cidadã.

Tanto no quesito “cor ou raça” para todos (no Questionário Básico); quanto no quesito “religião ou culto” para alguns que responderão o Questionário Amostra, a população negra e seus descendentes estão conscientes de que suas palavras precisam ser firmes e que devem estar atentos para que a anotação seja feita sem qualquer margem de erro em relação ao que declarou.


Já se justificou essa omissão do quesito “cor” por um possível empenho do regime republicano brasileiro em apagar a memória da escravidão. Entretanto, parte da explicação pode vir do incômodo causado pela constatação de que nossa população era marcada e crescentemente mestiça, enquanto as teses explicativas do Brasil apontavam para os limites que essa realidade colocava à realização de um ideal de civilização e progresso. (7)

Não temos qualquer dúvida de que a resistência em tratar de raça-cor e em tudo o que a discussão implica – como políticas de reparações, com fundo para superação do racismo histórico – é a mesma que teremos de enfrentar no tratamento das Religiões de Matrizes Africanas. Não dissimular a declaração de adepto ou adepta das religiões de Axé, trazidas e preservadas como memória ancestral por aqueles e aquelas que resistiram à travessia e morte nos porões dos navios tumbeiros é dignificar a humanidade que por princípio e necessidade é diversa e assim deve permanecer.

A poligenia está superada! As evidências de que a humanidade surgiu no continente africano são cada vez em maior número e com rigor científico sempre mais acurado. O conceito de raça não tem o menor sentido, dizem nossos opositores, no afã de jamais ceder o lugar histórico de conforto a que estão acostumados! Enquanto não repararmos o estrago que o uso histórico do conceito fez a cidadãos e cidadãs que hoje são em mais de 50% da população, qualquer discussão conceitual será apenas a má retórica que tenta persuadir para continuar reinando.

Por isso,
Não vamos deixar nossa cor passar em branco!
E vamos dizer que somos de Axé!
“Quem é de Axé diz que é!”
_______
(1) REIS, Eustáquio; PIMENTEL, Márcia; ALVARENGA, Ana Isabel, Áreas mínimas comparáveis para os períodos intercensitários de 1872 a 2000. 2007. Disponível em . Acesso em: 07 jul. 2010

(2) CAMARGO, Alexandre de Paiva Rio. Mensuração racial e campo estatístico nos censos brasileiros (1872-1940): uma abordagem convergente. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Série Ciências Humanas. Belém, v. 4, n. 3, p. 361-385, set.- dez. 2009. Disponível em: . Acesso em: 07 jul 2010.

(3) MATTOS, Hebe Maria. Das cores do silêncio: os significados da liberdade no sudeste escravista, Brasil século XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998. P. 98-99, apud CAMARGO, 2009, p. 7.

(4) IBGE. Anais do II Encontro Nacional de Produtores e Usuários de Informações Sociais, Econômicas e Territoriais. Pesquisas Históricas nas Instituições Estatísticas. CDDI/IBGE. 2006, p. 10

(5) CARNEIRO, Sueli. A miscigenação racial no Brasil. Correio Braziliense. Opinião. 2000. Disponível em: . Acesso em: 07 jul 2010.

(6) IBGE. Síntese das Etapas da Pesquisa. 2010. Disponível em: . Acesso em: 07 jul 2010, p. 24.

(7) BOTELHO, Tarcisio R.. Censos e construção nacional no Brasil Imperial. Tempo Soc., São Paulo, v. 17, n. 1, June 2005 . Disponível em . Acesso em: 07 Jul. 2010. O artigo é uma versão revisada da Parte III da tese de doutorado em História Social pela USP.

(**) Iniciativa do Coletivo de Entidades Negras (CEN), com apoio irrestrito de Instituições de Religiões de Matrizes Africanas e do MN.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Sobre o Censo..

Na falta de emprego, me inscrevi no concurso e agora, se passar na segunda etapa, vou fazer o censo 2010. Hoje começou o processo de treinamento de nós, recenseadores que daqui a pouco estaremos "invadindo sua praia", ehehehe... Segundo a intenção, de casa em casa, de pessoa a pessoa. Não concordo com vários quesitos do censo, algumas vezes limitador demais, mas reconheço a validade do processo, que é também utilizado em várias outras pesquisas que queiram se aprofundar mais em alguma questão.
O que achei interessante no treinamento é que a supervisora disse que em alguns casos teremos que nos deter mais na realidade que é dita do que na teoria que foi passada; ou seja, se não se encaixa na teoria, a gente dá prioridade para a realidade. E isso já é um grande avanço.
Enfim, agora estarei trabalhando para o crescimento da pátria, ehehehe.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

A Estética do Frio

Eu sei que o frio chega e gera vários problemas, que nem todos podem se agasalhar, se proteger, que nem todos tem atendimento adequado nos sistemas de saúde e que aumentam os problema respiratórios.... Gostar do frio não é ignorar tudo isso; até porque a culpa não é do frio; a culpa é da nossa estrutura social que não oferece meios para que as pessoas possam se proteger do frio. E é para isso que temos que lutar, para que todos possam apreciar o frio, sem sofrer com ele, ou pelo menos, se proteger dele. Alguns preferem colocar a culpa no frio, que é algo da natureza, do que olhar para o que realmente causa tantos problemas sociais.
Por isso, não posso fechar os olhos para as belas imagens, que o frio, a natureza, sem nenhuma culpa pelos males do mundo, nos dá... essa estética do frio que inspira poetas, cantores, namorados.... e viva nosso chimarrão!


Milonga de Sete Cidades (a Estética do Frio)
Vitor Ramil

Fiz a milonga em sete cidades
Rigor, Profundidade, Clareza
Em Concisão, Pureza, Leveza
E Melancolia
Milonga é feita solta no tempo
Jamais milonga solta no espaço
Sete cidades frias são sua morada
Em Clareza
O pampa infinito e exato me fez andar
Em Rigor eu me entreguei
Aos caminhos mais sutis
Em Profundidade
A minha alma eu encontrei
E me vi em mim
Fiz a milonga em sete cidades
Rigor, Profundidade, Clareza
Em Concisão, Pureza, Leveza
E Melancolia
A voz de um milongueiro não morre
Não vai embora em nuvem que passa
Sete cidades frias são sua morada
Concisão tem pátios pequenos
Onde o universo eu vi
Em Pureza fui sonhar
Em Leveza o céu se abriu
Em Melancolia
A minha alma me sorriu
E eu me vi feliz









segunda-feira, 12 de julho de 2010

Entre Caios, Tons e Renatos... (4)

SOB O CÉU DE SAIGON
Caio Fernando Abreu
Para Regina Valladares

Ele era um desses rapazes que, aos sábados, com a barba por fazer, sobem ou descem a rua Augusta. Aos sábados quase sempre à tarde, pois pelos óculos muito escuros e o rosto um tanto amassado por baixo da barba crescida, quem olhasse para um deles mais detidamente, mas poucos o fazem, perceberia que dormiu mal ou demais, bebeu na noite anterior, acabou de chorar ou qualquer coisa assim. Costumam usar jeans desbotados, esses rapazes, tênis gastos, camisetas e, quando mais frio, alguma jaqueta ou suéter geralmente puídos nos cotovelos. Quase sempre levam as mãos nos bolsos, o que torna impossível a qualquer um que passa ver melhor suas unhas roídas, seus dedos indicador e médio da mão direita, ou da esquerda, se forem canhotos, amarelados pelo excesso de fumo. Eles olham para baixo, não como se tivessem medo de tropeçar nos solavancos freqüentes das calçadas da Augusta, pois raramente usam sapatos, e as solas de borracha dos tênis amoldam-se com certa suavidade às irregularidades do cimento; olham para baixo, e isso seria visível se se pudesse localizar o brilho nos seus olhos de pupilas um tanto dilatadas por trás das lentes escuríssimas dos óculos, como se procurassem tesouros perdidos, bilhetes secretos, alguma jóia ou objeto que, mais que valor, guardasse também uma história imaginária ou real, que importa? Mas às vezes olham também para cima, e quando o céu está claro, o que é raro na cidade, pode-se imaginar que suas peles brancas procuram desesperadas e quase automaticamente pela luz do sol. E quando o céu está escuro, o que é bem mais comum, sobretudo nesses sábados em que rapazes assim costumam subir ou descer a rua Augusta, pode-se imaginar que procurem balões juninos, objetos voadores não identificados, pára-quedistas, helicópteros camuflados, zepelins ou qualquer outra dessas coisas pouco prováveis de serem encontradas sobrevoando ruas como a Augusta num sábado à tarde.
Ou horizontes, talvez busquem horizontes entre o emaranhado de edifícios refletidos nas lentes negras dos óculos que escondem o brilho ou a intenção do fundo dos olhos no momento em que um desses rapazes pára na esquina, como se tanto fizesse dobrar à esquerda ou à direita, seguir em frente ou voltar atrás. Por serem como são, seguem sempre em frente, subindo ou descendo a rua Augusta. E por serem tão iguais, quem prestar atenção em algum deles, mas poucas vezes ou nunca alguém o faz, jamais saberá se se trata de muitos ou apenas um. Um único rapaz: este, com a barba por fazer e mãos enfiadas no fundo dos bolsos, que agora, logo depois de cruzar o topo da avenida Paulista, começa a descer a rua Augusta em direção aos Jardins no sábado à tarde.
Ela era uma dessas moças que, aos sábados, com uma bolsa pendurada no ombro, sobem ou descem a rua Augusta. Aos sábados quase sempre à tarde, pois pelos óculos muito escuros e o rosto um tanto amassado que a ausência total de maquiagem nem pensou em disfarçar, quem olhar para uma delas mais detidamente, e alguns até o fazem, pedindo telefone ou dizendo gracinhas sem graça, às vezes grossas, porque elas caminham devagar, olhando as coisas, não as pessoas, mas quem olhar com atenção perceberá que dormiu mal ou demais, bebeu na noite anterior, acabou de chorar ou qualquer coisa assim, sem muita importância. Costumam, elas também, usar jeans desbotados, sapatos de salto baixo, às vezes tênis gastos, camisetas ou alguma blusa de musselina, seda, crepe ou outro tecido assim fino, que um rápido olhar mais arguto perceberia de imediato não se tratar de uma prostituta ou empregada doméstica. Pois têm certa nobreza, essas moças, não se sabe se pela maneira altiva como fingem não ouvir as gracinhas que alguns dizem, se pelo jeito firme de segurar a alça da bolsa com seus dedos de unhas sem pintura, conscientes de que são fêmeas e estão na selva. Num súbito encontrão, que não seria impossível, menos aos sábados, é verdade, do que nas sextas-feiras ao meio-dia ou de tardezinha, se alguém arrebatasse a bolsa a uma dessas moças para depois rasgá-la num terreno baldio, ficaria decepcionado
com o dinheiro escasso, o talão de cheques sem saldo, uma agenda de poucos compromissos, tickets de metrô, algum livro de poesia, esoterismo ou psicologia, uma foto de criança, raramente de homem, quem sabe um cartão de crédito vencido e entradas para teatro ou show, já usadas. Essas moças não olham para baixo nem para cima: com passo decidido, olham direto para a frente, como se visualizassem além do horizonte um ponto escondido para esses outros que passam quase sempre sem vê-las, para onde se dirigem com seus jeans gastos, suas bolsas velhas, suas peles de nenhum artifício. Dessa nitidez no passo, dessa atrevida falta de artifícios no rosto é que brota quem sabe aquela impressão de nobreza transmitida tão fortemente quando pas-sam, mesmo aos que não as olham nem mexem com elas. Podem parar para folhear revistas estrangeiras em alguma banca, sem jamais comprar nada, deter-se para conferir os preços estampados nas portas dos restaurantes, olhar maçãs ou morangos, tocar rosas ou antú-rios, mas geralmente apenas seguem em frente, subindo ou descendo a rua Augusta. Talvez sejam tantas e, se realmente o são, tão parecidas que, se alguém do alto de uma janela no Conjunto Nacional olhasse para baixo e as visse agora, poderia pensar mesmo que são uma só. Uma única moça: esta, com a bolsa velha pendurada no ombro, que depois de cruzar o topo da avenida Paulista começa a descer a rua Augusta em direção aos Jardins no sábado à tarde.
E porque o mundo, apesar de redondo, tem muitas esquinas, encontraram-se esses dois, esses vários, em frente ao mesmo cinema e olham o mesmo cartaz. Love kills, love kills, ele repete baixinho, sem perceber a moça a seu lado. And this is my way, ela cantarola em pensamento, na versão de Frank Sinatra, não de Sid Vicious, sem perceber o rapaz a seu lado. Outros entram e saem, sem vê-los nem ver-se, remanescentes punks, pregos nas jaquetas, botas pretas, intelectuais de óculos, aros coloridos, paletós xadrez, adolescentes japonesas, casais apertadinhos, elas comendo pipocas, senhoras de saia justa, gente assim, de todo tipo.
E talvez porque rapazes e moças como ele e ela aos sábados à tarde
raramente ou nunca se enfiam pelos cinemas, preferindo subir ou descer a rua Augusta olhando as coisas, não as pessoas, os dois se encaminham para as entradas em arco do cinema. Então param e olham para cima, suspirando em suave desespero, um céu tão cinza, como se fosse chover, oh céu tão triste de Sampa.
E então como se um anjo de asas de ouro filigranado rompesse de repente as nuvens chumbo e com seu saxofone de jade cravejado de ametistas anunciasse aos homens daquela rua e daquele sábado à tarde naquela cidade a irreversibilidade e a fatalidade da redondeza das esquinas do mundo ― ele olhou para ela e ela olhou para ele.
Ele sorriu para ela, sem ter o que dizer. Ela também sorriu para ele. Mas disse, a moça disse:
― Parece Saigon, não?
― O quê? ― ele perguntou sem entender. Ela apontou para cima:
― O céu. O céu parece Saigon. Surpreso, e meio bobo, ele perguntou:
― E você já esteve em Saigon?
― Nunca ― ela sorriu outra vez. ― Mas não é preciso. Deve ser bem assim, você não acha?
― O quê? ― ele, que era meio lento, tornou a perguntar.
― O céu ― ela suspirou. ― Parece o céu de Saigon. Ele sorriu também outra vez. E concordou:
― Sim, é verdade. Parece o céu de Saigon.
Nesse momento ― dizem que cabe aos homens esse gesto, e eles eram mesmo meio antigos — talvez ele tenha pensado em oferecer um cigarro a ela, em perguntar se já tinha visto aquele filme, se queria tomar um café no Ritz, até mesmo como ela se chamava ou alguma outra dessas coisas meio bestas, meio inocentes ou terrivelmente urgentes que se costuma dizer quando um desses rapazes e uma dessas moças ou qualquer outro tipo de pessoa, e são tantos quantas pessoas existem no mundo, encontram-se de repente e por alguma razão, sexual ou não, pouco importa se por alguns minutos ou para sempre, tanto faz, por alguma razão essas pessoas não querem se separar. Mas como
ele era mesmo sempre um tanto lento, não perguntou coisa alguma, não fez convite nenhum. Nem ela. Que lenta não era, mas apenas dis-traída. Ela então sorriu pela terceira vez, e já de costas abanou de leve a mão abrindo os dedos, como Sally Bowles em Cabaret, e continuou a descer a rua Augusta. Ele também sorriu pela terceira vez, meio sem jeito como era seu jeito, enfiou as mãos ainda mais fundo nos bolsos, como Tony Perkins em vários filmes, coçou a barba por fazer e resolveu subir novamente a rua Augusta.
Uns cem metros além, ela pela alameda Tietê, ele pela Santos, esse rapaz e essa moça, ou talvez os dois, ou quem sabe até mesmo nenhum, mas de qualquer forma ao mesmo tempo, pensam vagos e sem rancor mas estes sábados sempre tão chatos, porra, nunca acontece nada. Por associação de idéias nem tão estranha assim, ele ou ela, ou nenhum dos dois, talvez olhem ou não para trás procurando quem sabe algum vestígio, um resto qualquer um do outro pela rua Augusta deserta do sábado à tarde.
Mas rapazes e moças assim não costumam deixar rastros, e ambos já tinham sumido em suas esquinas de ladeiras súbitas e calçadas maltratadas. Acima deles, nuvens cada vez mais densas escondem súbitas o anjo. O céu de chumbo, onde não seria surpresa se no próximo segundo explodisse um cogumelo atômico, caísse uma chuva radioativa ou desabasse uma rajada de napalm, parecia mesmo o céu de Saigon, quem sabe pensaram. Embora, de certa forma, eles nunca tivessem estado lá.

Conto do livro Ovelhas negras.

domingo, 11 de julho de 2010

Futebol

Em nome de todas as mulheres que gostam de futebol; que mesmo que não saibam bem identificar um impedimento, sabem o que é tiro de meta, lateral, escanteio, etc. A nós, que não olhamos a copa do mundo só para ver homens bonitos (mesmo que alguns Forlán's da vida não tivesse como não "reparar"), a todas nós que preferimos olhar, torcer, vibrar do que fazer compras no shopping, como muitos gostam de insinuar, colocando o futebol como coisa masculina; em nome de nós mulheres que gostam de futebol, grupo que cresce cada dia mais, digo: Parabéns Espanha! Foi merecido! E é a voz do Polvo!



E atenção, terça-feira começa a Copa do Mundo de Fuebol Feminino Sub 20, e os jogos do Brasil e os jogos finais serão transmitidos pela Band, conforme abaixo.
Calendário:
13/07/10 | ter | 06:15 | Brasil x Coréia do Norte

16/07/10 | sex | 09:45 | Brasil x Suécia

20/07/10 | ter | 09:15 | Brasil x Nova Zelândia

24/07/10 | sáb | 06:15 | Quartas de Final

24/07/10 | sáb | 12:45 | Quartas de Final

29/07/10 | qui | 10:15 | Semifinal

29/07/10 | qui | 13:15 | Semifinal

01/08/10 | dom | 06:45 | 3º lugar

01/08/10 | dom | 09:45 | Final

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Violência contra a mulher e violências múltiplas...

Com certeza qualquer pessoa que não seja um ermitão, querendo ou não, está sabendo do caso Elisa. É impossível não saber já que os meios de comunicação falam apenas disso, noite e dia. É a "bola da vez", sem querer usar de sarcasmo, já que o crime envolve, como todos também sabem, um famoso goleiro.
O caso é visivelmente mais um revoltante caso de violência contra a mulher. Mais uma vez me revolto e venho falar desse assunto, que se dependesse do meu desejo, não falaria mais, mas é impossível, porque essa violência permeia nossa sociedade e é inaceitável. Enquanto mulher, enquanto ser humano, não posso não me afetar com este caso.
Contudo, o que mais me revolta é a maneira como a mídia está tratando o caso. O caso Elisa torna-se banal, a violência contra a mulher é raramente mencionada; o que parece importar neste caso é que o assassino seja uma pessoa famosa, goleiro de um dos principais times do país; as pessoas estão mais preocupadas em refletir em como o rapaz pode ter feito isso, em como ele estragou sua vida, no fato de ele ter perdido os patrocínios, em como isso afeta o Flamengo; querem saber de tudo, menos refletir sobre o real problema: a extrema violência contra a mulher que envolve o caso.
O que a mídia faz é apenas aumentar a violência do caso. Ao invés de trazer alguém para debater a violência na sociedade, traz um comentarista de futebol para discutir o que isso afeta a vida do goleiro; ao invés de tratar com um mínimo de bom senso, reflexão, trata o caso de uma forma sensacionalista, relatando a crueldade com todos os detalhes sórdidos. E a violência aumenta porque a família da moça fica exposta, sendo violentada em seus direitos; o adolescente envolvido no caso sofre dupla violência: em primeiro lugar, por ter sido obrigado a presenciar cenas de horror, e agora, pela mídia estar relembrando detalhadamente estas cenas, que ele viu, a cada minutos. Ou seja, além da Violência contra a mulher, há também neste caso explicitamente a Violência contra a Criança e Adolescente, praticada tanto pelos assassinos quanto pela mídia. e isto também, em nenhum momento é questionado.
E assim, a violência contra a mulher e as diversas formas de violência, ao invés de ser combatida e debatida, é apenas propagada e mascarada.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Apanágio

Do nada me veio na cabeça a palavra "Apanágio"... pensei que som interessante tem essa palavra; mas me dei conta de que não sei o que significa... Pois bem, momento gramática aqui no blog, vamos ao significado da sonora palavra "Apanágio":

Significado de Apanágio

s.m. Propriedade característica, atributo: a razão é o apanágio do homem.
Ant. Terras ou pensão que os soberanos davam aos filhos segundos, e que deviam retornar à Coroa após a extinção dos descendentes masculinos.
Direito Pensão alimentícia a que tem direito o cônjuge viúvo, auferida dos rendimentos do cônjuge falecido.

domingo, 4 de julho de 2010

Sobre os ideais...

Ao longo da vida da gente nossos ideais vão mudando... o que antes era um sonho de futuro, hora torna-se passado, uma ilusão juvenil. E talvez isso aconteça a vida inteira. Mas lá pelos últimos quatro ano, talvez, tenho como ideal pro futuro uma vida de paz, amor tranquilo, simples, interiorana, algo mais ou menos como a música "Casa no Campo", que coloco logo abaixo. E agora, há pouco mais de um ano, tenho meu neguinho, que espero que possa compartilhar-viver este sonho-ideal...

sábado, 3 de julho de 2010

sábado

É sábado a noite, estou sozinha.. e não vou escrever nada de novo hoje porque ninguém tem comentado nada ultimamente.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

É só hoje e isso passa...

Homenagem a todos que não conseguem ser feliz o tempo inteiro...
A todos que sentem medo, insegurança...
A todos que às vezes tem medo de se olhar no espelho...
A todos que às vezes se sentem minúsculos, impotentes e estagnados...
A todos que muitas vezes não sabem mais de onde tirar forças pra lutar...
A todos que nem sempre conseguem se adaptar a esses novos tempos...

"Queria ser como os outros
E rir das desgraças da vida
Ou fingir estar sempre bem
Ver a leveza
Das coisas com humor..."
(Renato Russo)