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segunda-feira, 19 de abril de 2010

Criminalização dos Movimentos Sociais


Entrevista: a criminalização dos movimentos sociais

“Quando o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra aparece brandindo suas foices e facas

e ocupando latifúndios e prédios públicos, imediatamente a “opinião pública” reage dizendo que isto

é uma “violência”. Mas essa mesma “opinião pública” não percebe ou não quer perceber que por

trás disto que chama de violência há uma brutalidade muito maior: a de deixar milhares de pessoas

sem terra para plantar, sem alimento, engrossando os penhascos e periferias das grandes cidades.

Tornou-se normal pensar que milhares de pessoas não tenham o que comer, o que vestir ou onde

morar”,

A afirmação é de José Carlos Moreira da Silva Filho, professor do PPG em Direito da Unisinos.

Em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, o pesquisador comenta a relação estabelecida

entre o Poder Público e os movimentos sociais, e destaca o surgimento de ativistas que

apresentam como novidade uma “afirmação positiva da diferença”, legitimando a alteridade das

minorias. José Carlos Moreira da Silva Filho é graduado em Direito, pela Universidade de Brasília (UnB),

mestre, pela Universidade Federal de Santa Catarina, com a dissertação O pluralismo jurídico,

os novos movimentos sociais e a exterioridade em Dussel, e doutor, pela Universidade Federal

do Paraná (UFPR).

Atualmente, também é conselheiro da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - O senhor afirma, no artigo “Criminologia e alteridade: o problema da

criminalização dos movimentos sociais no Brasil”(1), que a criminalização dos

movimentos sociais é um reflexo da dificuldade em se aceitar os limites existenciais,

revelando a arrogância do logos ocidental e a negação da alteridade. Quais são

as raízes desse sentimento de negação dos movimentos sociais? Por que a maioria

da população brasileira e os setores conservadores da sociedade negam a alteridade

das minorias?

José Carlos Moreira da Silva Filho - Há uma relação direta entre o projeto de predomínio

da razão ocidental (seus modelos sociais e pretensões de totalidade e univocidade, quer

da soberania nacional, da razão científica ou do modelo econômico capitalista e

desenvolvimentista) e a dificuldade que temos em lidar com o diverso e o diferente, inclusive

com relação ao que há de estranho em nós mesmos. É difícil admitir nossa finitude e,

conseqüentemente, admitir que não temos condições de descrever e compreender tudo.

Que assim como a morte limita nossos projetos e possibilidades e o nascimento nos impõe

um direcionamento prévio que não é da nossa escolha, as diferentes pessoas e grupos sociais

não podem caber em nossos conceitos, classificações e estereótipos

(nem nós mesmos cabemos). Sempre permanece algo indecifrável e que não pode ser

aprisionado na palavra. O problema é que admitir isto pode trazer uma grande sensação

de insegurança e uma humildade social e cognitiva que não cabe em nossos milenares sonhos

de domínio e grandeza.

Contudo, se refletirmos bem, notaremos que a democracia visada em nossa Constituição,

com a expressão “Estado Democrático de Direito”, reside em uma inerente incerteza, em

um desafio diuturnamente renovado e sem garantias de construir o espaço comum a partir

das diferenças e da pluralidade que compõem a nossa sociedade. Permanecemos,

porém, apegados à idéia de que temos um projeto único, a partir do qual fica fácil e

simples dizer quem é bom ou quem é mau, quem é normal ou quem é marginal.

Assim, tudo o que destoa muito do padrão socialmente imposto e regurgitado pelo

senso comum midiático se apresenta como algo perigoso, pois desafia as verdades

estabelecidas e denuncia as suas insuficiências. Quando o Movimento dos Trabalhadores

Rurais Sem Terra aparece brandindo suas foices e facas e ocupando latifúndios

e prédios públicos, imediatamente a “opinião pública” reage dizendo que isto é uma

“violência”. Mas essa mesma “opinião pública” não percebe ou não quer

perceber que por trás disto que chama de violência há uma brutalidade muito

maior: a de deixar milhares de pessoas sem terra para plantar, sem alimento, engrossando

os penhascos e periferias das grandes cidades. Tornou-se normal pensar que milhares

de pessoas não tenham o que comer, o que vestir ou onde morar. Por quê? Porque não

nos sentimos responsáveis ou não queremos nos auto-incriminar. Porque é muito mais fácil

criminalizar o outro que denuncia a injustiça e a perversidade do nosso modelo social.

É muito mais fácil criminalizar os negros do que reconhecer que a nossa sociedade

cresceu às custas do sangue dos seus antepassados; criminalizar os indígenas e dizer

que eles são uma ameaça à soberania nacional do que reconhecer que o Brasil de hoje

está erguido sobre os corpos de etnias que simplesmente desapareceram da face da terra;

criminalizar os “esquerdistas” e comunistas do que reconhecer que precisamos pensar em

um modelo social que consiga incluir sem excluir, que leve em conta projetos e sujeitos

coletivos. O conceito de crime serve como um estigma que isola e demoniza o que no

fundo diz respeito a nós mesmos. É como se pudéssemos nos sentir purificados com o

extermínio daquilo que seria um lado ruim nosso e que projetamos sobre determinados

grupos e pessoas.

IHU On-Line - Em que sentido os discursos estabelecidos no país ao longo dos anos

contribuíram para a construção de uma imagem pejorativa e negativa dos

movimentos sociais?

José Carlos Moreira da Silva Filho - O que podemos chamar de espaço público no Brasil vem

de uma tradição privada e patrimonialista que nos remete às Casas-Grandes e às oligarquias rurais,

às relações de apadrinhamento e aos nepotismos, à idéia de que os setores populares não devem

se organizar, mas sim obedecerem às ordens do patrão ou do doutor.

As grandes transformações estruturais da sociedade brasileira geralmente ocorreram pelo alto.

Foi assim com a independência, com a república, com a industrialização. É claro que sempre

houve pressões e reações populares, mas acabaram sendo estigmatizadas como baderna,

sublevação ou coisa parecida.

Há uma imagem de inferioridade e incapacidade que acaba por ser introjetada pelos próprios

grupos populares e que se reflete em uma desvalorização das lutas e organizações comunitárias.

Aliando-se tal discurso ao grande desconhecimento e desinteresse que há sobre a realidade dos

movimentos e dos setores sociais que eles representam, chegamos ao resultado da consolidação

de um discurso pejorativo e negativo. Para citar um exemplo, podemos perceber que a imagem do

MST, hoje, perante a sociedade, especialmente se nos fixarmos na imagem passada pelos

programas de TV e grandes jornais, não é muito diferente do conceito que tinham as Ligas

Camponesas no final da década de 1950 e início dos anos 1960. Essas ligas lideradas por

Francisco Julião (1), no sertão pernambucano, eram tidas por boa parte da classe média como

ferozes grupos de lavradoresrebeldes que ateavam fogo nos canaviais e destruíam tudo o que

encontravam. Dificilmente elas eram vistas como o sinal de uma necessária alternativa à

situação de opressão e penúria na qual viviam milhares de lavradores premidos entre o

subemprego no campo e a miséria das favelas nas grandescidades. O que aconteceu com

esses grupos nós já sabemos: o golpe militar os destroçou, forçando Julião a se exilar no

México. Contudo, a memória dessas lutas é recuperada pelos

movimentos de hoje. A dificuldade de superar o estigma, porém, continua a mesma. É muito

raro, por exemplo, encontrar na TV uma leitura do MST que mostre ao telespectador as inúmeras

experiências bem-sucedidas de assentamentos cooperativos que tentam construir e manter um

modelo de propriedade coletiva, orgânica e comunitária. Não quero dizer que o modelo proposto

pelo MST é o único possível ou a melhor alternativa, entretanto temos de reconhecer que o

movimento chama a atenção para diversos problemas da sociedade brasileira: a iniqüidade que

campeia no meiorural brasileiro, a insuficiência de políticas públicas no campo, a não

realização da reforma agrária no nosso país, ou seja, trata de questões que não são só

do campo, mas também das grandes cidadese do seu caos urbano.

IHU On-Line - Como o senhor tem percebido a criminalização dos movimentos

sociais no Rio Grande do Sul, especialmente no caso que envolveu o Ministério

Público e o MST?

José Carlos Moreira da Silva Filho - Confesso que fiquei escandalizado com as recentes

manifestações do Ministério Público gaúcho contra o MST. Elas ficaram claras a partir

da ação civil pública apresentada pelos promotores Luís Felipe de Aguiar Tesheiner e Benhur

Biancon Junior visando à desocupação de dois acampamentos do MST próximos à fazenda

Coqueiros, na região norte do Estado.

Ação, aliás, que teve a liminar concedida no mesmo dia pela Vara Cível de Carazinho. Tanto

nesta ação quanto no relatório produzido pelo “serviço de inteligência” do MP (e como já havia

notado Marco Aurélio Weissheimer em importante artigo), é palpável a mórbida e preocupante

semelhança com os Relatórios e Inquéritos Policiais Militares, verdadeiras excrescências

jurídicas de triste memória, que eram moeda corrente na ditadura militar brasileira. Posso

afirmar isto com todo o conhecimento de causa, pois como membro da Comissão de Anistia

do Ministério da Justiça me deparo, semanalmente, com essas pérolas. A paranóia

anticomunista é explícita tanto na ação quanto no relatório do Conselho Superior do MP e nas

entrevistas que Gilberto Thums, relator da “investigação”, vem concedendo. O MST e seus

“perigosos” integrantes compostos por mulheres, crianças, idosos e lavradores “fortemente”

armados com foices e outros instrumentos de trabalho do campo são apresentados como “

anti-capitalistas esquerdistas” (como se isto fosse algum crime) que representam uma

ameaça à sociedade e à soberania nacional.

Recomendam-se no relatório alguns absurdos inconstitucionais como a proibição das

marchas do MST (que contraria o elementar direito de ir e vir), a proibição dos assentamentos

próximos às fazendas consideradas passíveis de desapropriação (que ocorrem com a

autorização dos proprietários), a retirada das crianças dos assentamentos, das marchas e

das escolas (ou seja, a retirada dos filhos do convívio dos seus pais e parentes), e, por fim,

a dissolução do MST (que atenta claramente contra o direito e a liberdade de organização).

É bem verdade que esta última e apocalíptica recomendação foi retificada posteriormente

pelo MP, pois certamente até eles acharam isto exagerado. Mas o fato de que tal recomendação

constou explicitamente de uma ata anterior aprovada pelo Conselho Superior do MP é

sintomático. É sintomático também o fato de que a “investigação” levada a cabo pelo MP

se apoiou em uma investigação secreta conduzida pela Brigada Militar, e na qual se realizou

um verdadeiro mapeamento do MST no estado, com nomes de integrantes, localizações e

outros detalhes que revelam um monitoramento ostensivo bem aos moldes dos que foram

realizados pela Ditadura Militar.

Inversão de funções
Ora, cabe à Brigada Militar realizar este tipo de “inteligência”, divulgando em programas de

TV que os movimentos sociais são um caso de polícia? Creio que não pode haver maior

evidência quanto à criminalização dos movimentos sociais e à mal resolvida transição democrática

brasileira que ainda mantém como ocupantes de cargos públicos pessoas que mandaram ou

realizaram prisões arbitrárias, torturas e ostensivo monitoramento ideológico durante o regime

de exceção ocorrido no país. Importante saber também que, contrariando as conclusões da

Brigada Militar e do MP, a Polícia Federal concluiu em inquérito penal promovido durante todo o

ano de 2007, que não há o menor indício ou evidência de vínculos do MST com as Farc ou

qualquer outro tipo de contato com organização estrangeira que vise agredir a soberania nacional.

Investigações favorecem setores privados
Fico me perguntando se a referência ao “Estado Democrático de Direito” vai acabar virando

uma espécie de nova Doutrina de Segurança Nacional no país, pois esta é a justificativa agora

apresentada: “é preciso defender o Estado Democrático de Direito”, afirma Gilberto Thums.

Ora, pensei que o MP tinha em vista o interesse do povo, especialmente dos setores mais

desvalidos e injustiçados. Para que serve a previsão constitucional da função social da

propriedade? No entanto, o relatório do MP não apresenta uma avaliação sequer quanto

aos problemas que vêm sendo enfrentados pelo campo gaúcho e pela massa de trabalhadores

do campo explorados e sem direito a terra para plantar, cedendo cada vez mais espaço

à monocultura destrutiva do agronegócio, tanto no sentido ambiental quanto no humano.

No relatório, não há um autor ou uma fonte sequer favorável ao MST. As provas “científicas”

mais palpáveis são fruto de reportagens de senso comum da Zero Hora, do relatório

secreto da Brigada Militar e dos depoimentos de grandes proprietários. A única fonte

acadêmica referida é o sociólogo e professor da Universidade Federal do Rio Grande

do Sul (UFRGS), Zander Navarro, que, aliás, apesar de tecer severas críticas à organização interna

do movimento, em recente nota pública repudiou veementemente as ações e declarações do

MP gaúcho. Ocorre de fato uma verdadeira inversão de valores: os movimentos que denunciam

a injustiça social são os culpados pela instituição de um regime que traz mais injustiça social.

IHU On-Line - O senhor afirma que nos processos de conflitos podem ser definidos

parâmetros mínimos de legitimação. Os conflitos entre MP e MST ajudaram a definir

esses novos parâmetros, por exemplo? De alguma maneira iniciativas como a proposta

pelo MP reiteram a legitimidade dos movimentos, uma vez que abre-se espaço para

discussão? Ou pelo contrário, essa iniciativa apenas reforça a criminalização, uma

vez que é realizada por um órgão visto como “competente” pela opinião pública?
José Carlos Moreira da Silva Filho - O conflito que ora se instala entre o MP e o MST ainda é

muito recente para que se possa avaliar o que dele resultará. Este conflito pontual é sinal de um

conflito de interesses muito maior entre os que apóiam um modelo de sociedade que não investe

na agricultura familiar e na reforma agrária, que favorece o enriquecimento de certos setores a

despeito de outros, e os que procuram propor alternativas mais inclusivas a este modelo, ainda

que não sejam as melhores ou as mais exitosas. O espaço para discussão acaba acontecendo

mesmo quando o intuito é sufocar este espaço, e creio que isto demonstra um avanço democrático

da sociedade brasileira. Não acredito, contudo, que a intenção dos promotores que participaram

desta ação orquestrada foi a de promover qualquer discussão a respeito do assunto. Muito pelo

contrário, vieram cheios de certezas e apoiaram violenta ação policial militar que teve lugar nas

cidades de São Gabriel e Viamão durante os meses de maio e junho. E, é claro, não hesitaram

em criminalizar o MST, portanto favorecendo notadamente tal tendência.

* Grifos meus.

Notas:

(1) O artigo foi apresentado no evento Jornadas de Estudos Criminológicos ocorrido na PUCRS, em 2007. (Nota da IHU On-Line).

(2) Francisco Julião (1915-1999): advogado brasileiro que defendeu, a partir da década de 50, as causas dos camponeses

organizados, pressionados através de subterfúgios da lei pelos senhores de terra que tentavam desarticular a organização

de ligas camponesas e expulsar de suas terras os moradores do Engenho Galiléia. Para ampliar seu campo de luta,

ingressou na tribuna política e elegeu-se Deputado Estadual em Pernambuco. Foi um dos maiores ativistas pela reforma

agrária no Brasil. Exilou-se no México quando teve seus direitos cassados, em 1964. Foi anistiado em 1979 e faleceu

em Tepoztlán, no México. Sobre sua trajetória, confira o livro escrito pelo jornalista Vandeck Santiago, Francisco Julião:

luta, paixão e morte de um agitador (Recife: Assembléia Legislativa, 2001). (Nota da IHU On-Line)

(www.ecodebate.com.br) entrevista publicada pelo IHU On-line, 28/07/2008 [IHU On-line é publicado pelo Instituto

Humanitas Unisinos - IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.

Fonte: Revista do Instituto Humanitas Unisinos

Data:01/10/2008

Data: 1/10/2008

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