queridos pet's

PitaPata Cat tickers PitaPata Cat tickers PitaPata Cat tickers> PitaPata Cat tickers PitaPata Cat tickers

terça-feira, 2 de março de 2010

Os Nuer

Resenha: Os Nuer , de E. E. Evans-Pritchard
Por Letícia de Abreu Gomes

Nesta obra clássica, Evans-Pritchard discorre sobre a estrutura e sistemas políticos dos Nuer, sociedade composta por diversas tribos no Sudão, as margens do rio Nilo, na África. Para tal, o autor realizou algumas experiências a campo, segundo ele, somando um total de um ano de convivência íntima com os Nuer, porém, de forma não contínua (entre 1930 e 1936), e sim, interrompidas por conflitos e doenças.
Apesar do contato constante, das trocas culturais e das semelhanças físicas e culturais, e do reconhecimento de uma origem comum, os Nuer vivem em conflitos constante com outra população habitante das margens do Nilo, os Dinkas.
A divisão entre os Nuer se dá a partir de segmentos. Um sistema político englobará todos estes segmentos, ou seja, todos que estiverem em contato, direto ou indireto, apresentando costumes comuns e falando a mesma língua. O maior segmento (seção primária) é a tribo, sendo que eles estão divididos em várias tribos, determinado por uma linhagem, ou seja, uma origem comum. Uma tribo irá se dividir em segmentos territoriais, isto é, divisões geográficas denominadas seções secundárias. Este por sua vez irá se dividir em aldeias, ou seções terciárias. As aldeias são formadas por indivíduos ligados entre si por parentesco, real ou ficcionais (por exemplo, com estrangeiros), ou seja, por laços domésticos. Aliás, a maioria dos laços sociais entre os Nuer se dá a partir dos laços de parentesco.
De acordo com Evans-Pritchard, os Nuer não possuem leis e nem governo. Seu chefe é o “chefe em pele de leopardo”, sendo que este não representa uma autoridade, mas sim, uma entidade sagrada, tendo autoridade somente em momentos rituais, mas isto será retomado mais adiante. O autor caracteriza os Nuer como um povo democrático, mas bastante hostil, que se despertam com bastante facilidade para lutas. Qualquer um que não seja considerado parente é um inimigo em potencial e talvez esta tenha sido uma das maiores dificuldades de aproximação e coleta de dados de Pritchard. Foi necessário ser aceito como parente para adquirir a confiança destes, precisando assim viver como um Nuer, inserido-se totalmente na estrutura deles. Uma de suas estratégias foi adquirir algumas cabeças de gado, sendo que o gado é a base da economia Nuer.
Voltando aos segmentos, quanto menos for um segmento tribal “mais compacto é seu território, mais contíguos estão seus membros, mais variados e íntimos são seus laços sociais genéricos, e mais forte, portanto, é seu sentimento de unidade” (p. 154). Este segmento será cristalizado em torno de uma linhagem do clã dominante da tribo e quanto menor o segmento, mais estreitos serão seus laços genealógicos e maior será a cooperação entre seus membros. Porém, é comum haver oposição entre as partes de um segmento, sendo que os membros de qualquer segmento unem-se em guerra contra segmentos adjacentes. A extensão da guerra irá determinar estas uniões, que são bastante variáveis. Começando com o exemplo de conflito entre duas aldeias. A princípio este conflito será restrito apenas as duas partes envolvidas (A e B). Porém, entendendo-se que uma das partes é mais fraca (A), outra aldeia (C) pode-se unir a A para combater B. contudo, se houver uma guerra territorial entre seções secundárias (X e Y) (que muitas vezes estão denominadas pelas linhagens), A, B, C e todos demais segmentos terciários que compõe cada um dos segmentos secundários irão se unir para a guerra. Ou seja A+B+C = X lutará contra A’+B’+C’ = Y. No entanto, pode também haver conflitos entre seções primárias, ou seja, entre tribos (N e P). Desta forma, Y e X (e os outros segmentos de uma mesma tribo N) irão se unir para combater a tribo P. Todavia, havendo conflito, por exemplo, entre os Nuer e os Dinka, haverá uma união entre as tribos Nuer para combater um inimigo em comum, os Dinka. Ou seja, há uma negociação constante entre aliados e rivais. Cada segmento se vê como uma unidade em uma seção, e estes se vêem como unidade em relação a outra seção, sendo um grupo apenas em oposição a outros grupos. “Daí a divisão e fusão nos grupos políticos serem dois aspectos do mesmo princípio segmentário, e a tribo nuer e suas divisões devem ser entendidas como um equilíbrio entre essas tendências contraditórias, contudo complementares” (p.159). Esta tendência de segmentação é um princípio fundamental da estrutura social dos Nuer e esta possui uma qualidade dinâmica.
Os casos de homicídio são resolvidos através de vendetas, uma forma de instituição tribal, que corresponde a uma pena quando há uma infração às “leis” (aos princípios) tribais e são aplicadas para evitar situações de guerra. Após matar um homem, o assassino busca refúgio na casa do chefe em pele de leopardo. Por um lado, porque precisa ser purificado por este, através do poder ritual, já que acredita que de alguma forma o sangue do morto entra em seu corpo. Por outro lado, para fugir dos familiares do morto, já que, tendo os nuer uma inclinação à luta, os parentes buscarão vingar-se do assassino (podendo estender-se esta ameaça a sua família) e na casa do chefe não pode ser derramado sangue, estando o assassino em lugar seguro. O chefe partirá então para a negociação entre as famílias envolvidas. Primeiro vai até a família do envolvido para ver quanto gado estes estão dispostos a pagar para a família do morto (geralmente algo em torno de 40 a 50 cabeças). Depois de acordado com os primeiro, vai até a família vitimada. Esta custa a aceitar o acordo, preferindo a vingança, porém, depois de muita insistência, ameaças de feitiçarias por parte do chefe, a proposta de reposição do morto com gado é aceita. O chefe em pele de leopardo de maneira alguma representa uma autoridade tribal. Ele é apenas um mediador em conflitos e seu poder se dará a partir de sua capacidade de persuasão. Porém, enquanto a dívida não for totalmente saciada haverá conflito entre estas famílias e algumas vezes mesmo depois, sendo que esta inimizade pode ser estender por até duas gerações, por razões sentimentais. Todo este processo, a negociação, o desejo de vingança, resistir a restituição, ameaças do chefe, acabar aceitando, parecem fazer parte de um jogo necessário a manutenção da estrutura social dos nuer. Esta intervenção do chefe, por vez, se dá geralmente entre segmentos menores, já que a resolução do conflito por lutas resultaria na eliminação destes segmentos. Porém, isto se dá entre conflitos entre aldeias. Em segmentos menores, como dentro de um grupo, estes conflitos tendem a se resolver mais rapidamente, já que a maior proximidade entre os envolvidos e mesmo parentesco e suas relações são mais estreitas. A maioria dos conflitos entre segmentos maiores, são resolvidas através da imposição da força física e da luta entre os envolvidos e aqueles que estão próximos a estes, gerando algumas vezes mesmo a guerra. Pode-se ver assim, que um homicídio não diz respeito somente a quem cometeu, mas a responsabilidade sobre o ato se estende a todos os seus parentes agnatos próximos. Ou seja, a vendeta irá variar de acordo com o tamanho do grupo, do relacionamento entre as pessoas envolvidas e suas posições estruturais. Estes conflitos, contudo podem ser estendidos de forma a fazer com que uma tribo acabe se dividindo em duas. A vendeta então pode se dar a partir de indenização ou de vingança. Mesmo que somente os parentes se envolvam na luta, a hostilidade é estendida ao resto do segmento. Estes conflitos e guerras fazem parte do sistema político, determinando as relações entre as tribos e fornecendo a estrutura tribal um movimento de expansão e contração.
“Em sentido estrito, os Nuer não têm lei. Há ressarcimentos convencionais por danos, adultério, perda de membros,etc., mas não há qualquer autoridade com poder para pronunciar sentenças sobre tais questões ou para fazer cumprir vereditos”(p.173). De acordo com Evans-Pritchard é muito raro um homem obter ressarcimento, a não ser pela aplicação da força. Porém, ele pode desejar a intervenção do chefe em pele de leopardo, como por exemplo, em caso de roubo de uma vaca. Este chefe irá reunir-se com os anciãos das aldeias das duas partes envolvidas. Cada parte irá apresentar seus argumentos, já que os roubos entre os nuer só acontecem quando uma das partes acha que a outra está em divida, então na é efetivamente um roubo e sim, uma forma de conseguir o que lhe é de direito. Após, o chefe e os anciãos reúnem-se para discutir e chegar a um veredicto que será aceito pelas partes. Porém, o chefe não é autoridade, já que é necessário 5 elementos para que o conflito seja resolvido: 1.é necessário que as partes queiram resolver o conflito; 2.a santidade do chefe e de seu papel de mediador, 3.necessidade de haver discussão e concordância entre os anciãos, 4.um homem irá aceitar a decisão sem considerar que está perdendo sua dignidade, 5.o reconhecimento da parte perdedora. Sem isto, a intervenção do chefe não será possível.
O que se pode perceber na lei dos nuer é que ela é relativa, assim como a própria estrutura, mudando de acordo com a posição, a idade e a distância entre os envolvidos. Em teoria, pode-se receber ressarcimento em qualquer caso de infração, mas na prática isso acontece geralmente somente em grupos pequenos e entre parentes. A noção de direito e dignidade está muito presente entre os nuer, sendo que os parentes só apoiaram os conflitos quando acreditam que este tenha direito.
Apesar de não ter governo, há outros homens poderosos entre os nuer, além do chefe em pele de leopardo, que tem poderes sagrados de mediador político na aplicação da vendeta, de cura, purificação e fazer chover. Há os profetas e o Homem do Gado. Este último são descendentes do clã do touro e não tendo função pública, exercem influência direta sobre seu totem, realizando curas sobre o gado. Há outros possuidores totêmicos. Há também mágicos, curandeiros, adivinhos, donos de fetiches, sendo que este último goza de maior prestígio, já que os nuer têm muito medo dos espíritos do fetiche. Os profetas são considerados herdeiros dos filhos do Deus-Céu, sendo possuídos por espíritos desses deuses e realizam profecias e curas. O profeta é uma atribuição recente, sendo que o primeiro morreu em 1906. Porém, o prestígio e o status não dependerá apenas de seus poderes mágicos, mas também da sua condição de ancião (que adquire após casar e ter vários filhos), do número de gados que possui, de seu caráter e habilidade. Pode-se dizer, desta forma que uma aldeia é uma unidade política estrutural, mas sem organização política, na expressão de Evans-Pritchard, os nuer vivem numa “anarquia ordenada”.
Pode-se atribuir a “invenção” dos profetas as investidas contra os dinka e dos conflitos com o governo (árabe-europeu), que prendeu muitos profetas tentando render os nuer.
De uma forma geral, pode-se perceber que, apesar da amplitude do sistema social do nuer, Evans-pritchard tenta desvendar o sistema político destes e a relação de todos os povos nele envolvido, acreditando ser capaz de estudar de forma fragmentada um sistema social.

Para outras informações sobre as situações dos Nuer hoje, pode-se consultar o artigo de Beatriz Perrone Moisé, professora do departamento de antroplogia da USP, intitulado: Conflitos recentes, estruturas persistentes: notícias do Sudão , que está disponível no site www.scielo.br/pdf/ra/v44n2/8834.pdf.

Um comentário:

Iggy disse...

Parece que no mundo inteiro, o que impera é o terceiro mandamento de LaVey, e a lei do talião, que é seguida à risca em todo lugar do planeta.